Avenida Brasil - Rio de Janeiro - 21 de fevereiro de 2010 |
Para o Vianinha, com meu respeito.
Primeiramente, nos questiono: Cadê o Amarildo?
A pergunta é emblemática, claro.
Simbólica, mais que tudo. Desde o início nós sabíamos o fim da história.
Os eventos dos últimos dias (se não
horas) demonstram e reafirmam a memória seletiva e a voz de ventríloquo que nos
guia – todos. Sem bons e nem maus. Concordem se quiserem concordar: todos nós
estamos num balaio de gatos. Pobres gatos.
Tomarei como exemplo de impulso
criativo de reflexão sonora, alguns compartilhamentos de publicações de Twitter
no Facebook em diversas timelines dos meus principais amigos e mesmo ótimas
atualizações de status de mural. Tomemos como conceito de amigos a restrição
que faço em receber somente dessas poucas pessoas as atualizações que eu
considero como fundamentais para que eu forme algum tipo de pauta harmoniosa no
pentagrama do dia a dia que é ter que tentar transcrever minha própria voz. E,
acreditem, sou um Narciso invertido: em tudo que é espelho me vejo defeito. Por
isso, prefiro que a prosódia testemunhada nesse longo período seja assim: sem
pausas! Eis a estética do vamos então ou vomitão!
Uma das mais “estarrecedoras”
informações que tenho colhido tem sido sobre o problema, principalmente, no Rio de Janeiro
e São Paulo, relacionado com cores de roupa que estão sendo escorraçadas dos
inúmeros protestos ou do simples caminhar na Avenida Paulista. Acredito que o
problema esteja acontecendo também na capital do país.
Ao que tudo indica, se o individuo
usar vermelho (ou branco), será associado ao PT, se sair de azul ou amarelo,
PSDB. O PMDB surge como o PMDB, seria piada se não verdadeiro, mas suas cores
são: Vermelho, Preto, Verde e Amarelo. Paremos por aqui. Porém há um belo livro
de Michel Pastoureau que vale a leitura: Couleurs,
images, symboles. Études d'histoire et d'anthropologie, de 1989.
Toda e qualquer manifestação
pública partidária – de um lado ou de outro – está sendo já punida com o
massacre idêntico ao da grande (mas cheia de pequenez) mídia com sua
parcialidade ofensiva e manipuladora ao processo de investigação que vem se
arrastando faz alguns meses. Parênteses: Camisa da seleção virou um souvenir
que me remete – somente por livros, é claro – ao clássico dilema das esquerdas
em torcer ou não para a Seleção Canarinho de 1970.
Tudo é verdade. Tudo é confuso.
Tudo é mentira. Tudo é tão claro. Assim estamos caminhando em tropeços e
bradamos ou bradam – já não sei quem grita o que – por todos os lados: Golpe!
Golpe!
Vivemos em tempos de absurdos e
eles não são imediatos. Já se arrastam desde 2013, cada ponto, sem coesão, foi
de pouco a pouco se transformando no inicio de uma linha que se traçou criando
um grande emaranhando de linhas.
O golpe fatal das cores e das
palavras. As palavras e as cores: Estado policial, Resgate da ditadura, Golpe
ou a volta dos que não foram
Antes das cores de camisas,
vejamos o Estado policial. A Polícia Militar, resquício vivo e pulsante das
elites, de 1964, de torturas e mortes, tem as mãos constantemente manchadas de
vermelho. Vermelho sangue. O sangue da tropa, dos policiais que não voltarão
mais. Vermelho sangue de projéteis que encontram civis ou traficantes. E traficantes disparam contra policiais e civis. Tudo é
sangue. E quando derramado no chão, fertiliza a onda de violência que já não
distingue certo ou errado.
O julgamento é mais que instantâneo.
Os lambe-lambes das praças não acompanharam o desenvolvimento. Em cada piscar
de olhos, em cada flash é um projétil saindo traçante de algum fuzil.
A dupla lei: da farda na rua ou dos
shorts no morro.
Antes das cores de camisas,
vejamos o resgate da ditadura. O ir e vir proibido por facções que dominam não
mais como um poder paralelo, mas um estado por direito de domínio e coerção. Ou
em casos específicos, num equilíbrio sociológico que nem ao mesmo Weber pensaria
em explicar. O misto de, pelo menos, duas dos três tipos de dominações puras (vide a história de Nem da Rocinha). A
ditadura do Estado democrático que não aceita documentos, mas enxerga a cor da pele e o locus de moradia. Que te julga
imediatamente por ser negro no asfalto. Ou o tráfico te pune por ser policial no morro. Os dois tribunais: o da clareira do
morro, onde impera a lei do silêncio e o cheiro de pneu com corpos carbonizados
e o de rua, este último retratado nos versos do poeta Marcelo Yuka e
imortalizado no disco Lado A Lado B
(2000), da banda carioca O Rappa, cujos assassinatos são amparados pela sociedade composta por gente de bem.
E antes das cores das camisas,
vejamos o duro golpe diário. A condução precária e lotada do coletivo, do trem e do metrô, o trabalho subalterno nos
sinais... A mesma e velha opressão financeira que vem do asfalto e da TV
alienante que rompe antes dos tiros o silêncio da noite nas ladeiras de mudos tamborins e que me remetem aos trechos de Marquinhos Cabeção e O criolo
revoltado com uma arma, ambas composições de MV Bill, rapper da Cidade de Deus,
presentes em seu belo disco Traficando
Informação (2000).
De fato, se tivéssemos ouvido com a atenção intelectual devida, no início dos anos 2000, os dois trabalhos artísticos acima, a maioria dos jovens de hoje, com seus 30 ou 35 anos seriam um pouco diferentes. Uma atenção que vai além do rótulo massante de pop - afinal, Chico Buarque surgiu pop, Gil e Caetano buscaram uma estética própria ao pop. Ao contrário do que se pensa, nunca estivemos órfãos de arautos e cronistas musicais.
Mas, vamos às cores de camisa.
De fato, se tivéssemos ouvido com a atenção intelectual devida, no início dos anos 2000, os dois trabalhos artísticos acima, a maioria dos jovens de hoje, com seus 30 ou 35 anos seriam um pouco diferentes. Uma atenção que vai além do rótulo massante de pop - afinal, Chico Buarque surgiu pop, Gil e Caetano buscaram uma estética própria ao pop. Ao contrário do que se pensa, nunca estivemos órfãos de arautos e cronistas musicais.
Mas, vamos às cores de camisa.
A periferia já conhece há tempos
os modelos de apartheid menos conhecidos pela maioria do grupo formador de opinião e que para mal ou para bem conduzem
intelectualmente nossa sociedade brasileira com inteligentes colocações em colunas de jornal ou atualizações de status de Facebook.
Gostaria de falar um pouco mais
profundamente sobre todo o modus operandi
e ritualístico que deve ser usado para subir um morro dominado por uma facção
do tráfico de drogas ou por alguma milícia no estado do Rio de Janeiro, porém, me
limitarei muito defeituosamente às cores e marcas permitidas/ proibidas nas
ruas de paralelepípedo ou concreto e vielas de barro dos morros e bairros de
periferias do subúrbio carioca.
Toda e qualquer criança sabe que
se seu morro é dominado pelo Terceiro Comando Puro, a cor vermelha – referência
a outra facção: Comando Vermelho – é proibida e punida com a morte, salvo exceção
à camisa do Flamengo. Por outro lado, o verde é intimamente vinculado a facção
Amigo dos Amigos que divide com o extinto Terceiro Comando e com o reinante Terceiro
Comando Puro a escolha pela cor. Finalmente, o azul é vinculado à tradicional
farda da Polícia Militar do Rio de Janeiro e o Preto ao Batalhão de Operações
Especiais.
Lembro-me de evitar determinadas
marcas como TCK ou Cyclone, marcas também vinculadas às facções. De qualquer
maneira, ainda vou um pouco mais no fundo da memória: três marcas de tênis ditavam
nem tanto nosso poder aquisitivo, mas uma certa vinculação artificial com algum grupo
criminoso: Nike, Mizuno e Reebock. Muito recentemente comprei meu primeiro Mizuno
e me dei conta dos motivos escondidos dentro de mim, a terapia de bar explica. Eu e meus amigos de
escola, muitos da Chatuba (curiosamente tive poucas amizades da Coréia, natural
rival dos chatubences nos bailes funk mesquitenses), usávamos Tryon ou Le Cheval... se fosse
o Break Light o chão das festinhas tremia. Estas eram marcas neutras e de playboys e mauricinhos que estudavam nos colégios privados da região.
Não. Não, amigos. A ditadura não
está retornando, visto que ela nunca sumiu das vielas. O estado policial não é novo e o golpe só está sendo sentido
em esferas diferentes das que as mãos calejadas e os corpos suados já sentem e conhecem há
anos. Há muitos anos. O absurdo só tomou uma proporção diferente, atingiu gente
diferente. Ou como esquecer das palavras de ordem nos cartazes de junho de
2013: Você acordou agora. A periferia nunca dormiu?
Não ignoro o Moro, pois não
esqueço do morro!
Nem meu Le Cheval Break Light brilhando nas festas de rua ou meu Tryon preto e marrom da 6ª série permitiram me alienar... Eu não esquecerei jamais.
Nem meu Le Cheval Break Light brilhando nas festas de rua ou meu Tryon preto e marrom da 6ª série permitiram me alienar... Eu não esquecerei jamais.
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