quinta-feira, 8 de outubro de 2015

O moralismo tupiniquim é como uma caixa de bombons com menos um bombom



Quando menino, os muitos pés de manga do meu quintal não tinham o sabor adocicado e o cheiro tentador das mangas que brotavam no mesmo ritmo no quintal do Seu Murilo. Cercada por arames farpados meio enferrujados e com muitos fios de cabelos de todas as cores presos em suas emendas, a grande propriedade do finado ficava abaixo do campinho da meiuca do morro em que morávamos, em Mesquita. Morávamos, já não moro mais e da minha infância, apenas o Leandro Cabeça, o Waguinho e o filho do Cunha (não o deputado) continuam de pé. O resto foi morto em confrontos com o tráfico rival, com os justiceiros ou com a polícia. Naquela época não havia milícia como conhecemos hoje.
Seu Murilo, evidentemente, ficava puto, como ficava meu pai – talvez menos que o Seu Murilo – com os moleques que tinham pés de fruta em casa, mas, assim como eu, eram tentados a roubar as frutas do nosso quintal. Aliás, nunca entendi muito bem porque nunca gostei muito das frutas do meu quintal. O que mais estressava meu pai e meu tio não era o “furto”, eram as bambuzadas que derrubavam as frutas verdes. Me lembro dele gritando: “Pede, porra. Pede que eu deixo pegar”, todo sábado e domingo era isso. Papai não entendia: a graça era pegar sem pedir e correr o risco de tomar uns cascudos do dono do quintal.
O moralismo tupiniquim é tão malfazeiro, tão capenga que é difícil conversar sobre. Não importa quantas bundas você veja na televisão, não importa toda a miscigenação (visando sempre o branqueamento, é claro), não importa que a priminha dê um pulo com o priminho no motel isolado, mas que todo mundo sabe onde é, não importa antes do diploma quantos foram os seus bombons furtados na loja de departamento, sempre teremos na ponta da língua uma explicação plausível para os nossos atos e uma fundamentação perfeita para a reprovação dos mesmos atos quando cometidos por outras pessoas.
Eu queria ir um pouco mais longe, mas ainda sou moralista demais para dizer algumas verdades. Ah, ah aquela mesa de botão apodrecendo que foi roubada certa noite do porão da casa do...

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