quarta-feira, 21 de julho de 2010

Essa tal modernidade...

Quando eu tinha uns 14 anos e cursava o antigo 2º Grau num colégio de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, fui selecionado pelo CIEE para fazer um estágio no recém inaugurado shopping da cidade. Era minha oportunidade de ganhar meu primeiro trocado com meu próprio esforço.
O trabalho? Simples! Anotar em algumas lojas selecionadas pela direção do shopping o que estava sendo comprado e a quanto pelos clientes – registrado ou não pelo caixa. A isso, nosso coordenador chamava Auditoria. Pois bem, eu fazia, meio sem entender, um estágio de auditoria!
Certo dia – um sábado ensolarado em que eu poderia estar soltando pipa ou jogando bola – estava eu de pé, já umas quatro horas, anotando tudo que saia de uma loja dessas de comida a quilo, quando um sujeito me chamou muita atenção:

- Meu cumpadi, solta um chope aí! Caprichado no colarinho, hein?
- Pois não, senhor!
- Não, não meu filho, deixa transbordar um pouco o chope da tulipa!

Nada demais. Anotei o valor do chope e ali continuei aguardando novos clientes, novas sonegações, etc. De repente...

- Desce mais um, ô de Queimados! E deixa transbordar um pouco!

Na décima nona tulipa – eu contei e como contei! –, eu não aguentei e tive que questionar o cidadão, com a maior polidez do mundo, claro!

- Senhor, desculpa mesmo perguntar. Mas por que o senhor pede pro rapaz aí deixar transbordar um pouco do teu chope?

O cara, mais prá lá do que prá cá, sorriu – deve ter percebido minha cara cheia de cravos e espinhas e aquele bigodinho ralo, mais pra buço do que pra barba – e respondeu:
- Ô da caneta! Tempus modernus! Tempus modernus! E tu já viu alguém nessa porra de shopping entornar no chão uma pro santo?
- Não.
- Pois é, pois é! Falta de respeito do cacete! Se eu fizer isso, um desses seguranças vão vir armar barraco e eu não tô afim! Por isso já deixo a do santo aqui, assim ninguém me atazana as idéia! E salve Jorge! Ô meu santo guerreiro!

Pois é, né? Como diria nosso amigo: “Tempus modernus”!

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Me passa o papel aê...

Subúrbio, doce subúrbio. Quero que se danem aqueles que dizem que não morei meus vinte cinco anos de vida no subúrbio carioca! Muito jovem, quando dizia que morava em Mesquita para alguém do Leblon, Gávea ou adjacências zonasulescas, rapidamente vinha o comentário: “Sei, sei, na Baixada Fluminense, né? No subúrbio...”. Tai desolados: fui criado no subúrbio também! Poderia não ter o glamour do Méier, Madureira, Quintino, Tijuca ou Vila Isabel... Mas também era subúrbio! Diga lá, coração, e o Chico Buarque não cita Nova Iguaçu na música “Subúrbio”? Confere lá, camarada! E antes que vocês me digam que minha querida Mesquita não é Nova Iguaçu, ela o foi durante muito, muito tempo, bairro importante da cidade das laranjas! Hoje, sem dúvida, cidade DOS LARANJAS! Caso encerrado. Vamos à uma pérola dos subúrbios...
Essa é de um grande amigo meu, apelidado de Feio (por ser bonito), morador de Vila Isabel (ao menos o era na época). Um dia, em conversa de botequim no Centro do Rio, o assunto era caganeira. Pois é, não sei se o tema surgiu por conta dos petiscos arqueológicos dentro da estufa do pé-sujo ou porque um de nós se ausentou para libertar o barroso (com todo respeito ao almirante!) após comer tais artefatos, enfim. Esse meu chapa, explicando que não evacuava nunca fora de casa, utilizou muito bem o famoso jargão: “meu cu é caseiro”! O CUrioso é que, tempos depois, bebendo num outro barzinho e comendo churrasquinho de gato, com uma rapidez impressionante ele separou sua parte na conta e suando frio foi embora pegar o Vila Isabel na Presidente Vargas: estava apertado para ir ao banheiro! Porém, história melhor (e verídica) passei eu e meu primo-irmão, mais irmão do que primo, Gustavo Alvaro, também no Centro da Cidade Maravilhosa... Essa é pros netos, sem dúvida!
Tinha eu que prestar contas na Marinha do amado Brasil, aquela coisa de carimbar o certificado de reservista... Boa oportunidade para tomar aquela cerveja gelada no Centro. Liguei para o meu fiel acompanhante em assuntos de Centro (do Rio):
- Fala aí Tavim, vamos comigo amanhã na Praça Mauá?
- Pra quê cara?
- Tenho que carimbar o certificado de reservista. Depois a gente roda um pouco pra procurar disco e toma uma cerveja. Fechou?
- Sabe o que é, Brunim? Eu tô com a maior caganeira cara... Acho que não vou não.
Com muito carinho e poder de persuasão, argumentei:
- Deixa de ser viadinho, vamos comigo, também tô com um revertério filho da puta. Eu levo papel higiênico na mochila cara! Vamos?
- Que se foda. Vamo nessa porra!
Japeri da tarde. Tranquilo. Deu até pra ir sentado admirando a paisagem. Cada estação, cada pessoa que entrava e saia do trem. Chegamos a Central do Brasil. Caminhada considerável até a Praça Mauá, no caminho paramos pra ver uns chapéus, olhamos revistas nas bancas... Tudo na maior paz intestinal!
Já na fila ao lado de outros muitos jovens de 20 anos, que como eu aos 18 cometeram o erro de se alistar e servir à Pátria mãe gentil já raiou a liberdade no horizonte do Brasil, meu irmão (que não serviu em porra nenhuma) já começou a ficar meio esbranquiçado. Por experiência de convívio: ele só fica assim, quando não tomou Plasil e vai vomitar ou quando vai se cagar (nem quando ele faz uma merda, outro tipo de merda, ele perde sua cor moreno jambo – expressão da minha mãe). Pensamos: “fodeu”. Rapidamente, eu já tinha uma saída, ao pé do ouvido, sugeri:
- Cara, pega a mochila aqui e vai dar uma cagada no McDonald’s ali da esquina da Rio Branco...
- Porra cara, cagar no McDonald’s é foda, cheio de adolescente entrando e saindo, apertadinho. Rola não. Vou segurar.
E segurou.
Resolvido os problemas civis, pegamos a Rio Branco, paramos na Livraria da Travessa, olhamos uns cd’s, uns livros... Dobramos a Presidente Vargas e um sinal de alerta me foi dado:
- Cara, a vontade tá voltando.
- Sem problema, também tô sentindo umas pontadas na porta. Vamos no Real Gabinete Português de Leitura (banheiro limpo, discreto).
- Beleza. Vamo simbora que tá sinistro!
Acredito que em alguns casos, caganeira é uma merda mesmo! E longe de casa então: nem se fala! O difícil foi desviar dos carros e camelôs na Uruguaiana (naquela época não havia essa moda do Choque de Ordem), mas heroicamente conseguimos chegar no Largo de São Francisco de Paula... Quando estávamos quase entrando no Real Gabinete uma reflexão (antes do vaso) me alertou prum perigo:
- Tavim, são 11:50, não me lembro se o Real Gabinete fecha pra almoço.
- E daí, porra, eu quero é cagar, não quero ler Camões!
- Não cara, putz, e se fecha com a gente lá cagando? Lembra que o banheiro é no subsolo? (De fato, eu cagava muito no Real Gabinete Português de Leitura, posso descrever para o querido amigo que me ouve, como era a latrina, o espaço milimétrico, quantos degraus para chegar até lá, confesso só não me lembrar de quem era a estátua que ficava na frente da bela porta de madeira que separava a sala de leitura da sala de leitura que os ignorantes chamam de banheiro!).
- Porra, é mesmo cara! A gente ia ficar trancado lá um tempão.
- Ou pior, um dos funcionários ir conferir se tinha gente dentro do banheiro e a gente lá cagando? (Juventude, doce juventude. Tempos depois no perigo iminente de me cagar todo, não pensei duas vezes em entrar num pé-sujo de Nilópolis gritando pro atendente, me arruma uns guardanapos?!?!?!?!).
Como um bom suburbano da Baixada Fluminense (não sei se essa expressão existe), eu tinha um plano B: Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, para os mais íntimos: IFUC’s, opa, não, IFCS.
Se meu amigo Feio exaltava a “caseirice” do seu fiofó, meu chapa, nem te conto quantas vezes que já “fiz caquinha” fora de casa (quis amenizar a conversa, né?).
Terceiro andar, passamos batido pela porta do Pem, naquele momento eu não queria encontrar nenhum amigo de estudo, e conseguimos chegar no banheiro. Como todo bom toalete de universidade pública: não tinha papel! Não criemos pânico! Um rolo novinho estava na minha mochila preta e surrada da Topper! (lembra?)
- Brunim, me vê um bom pedaço aí cara!
Ado, ado, ado, cada um no seu quadrado. Dez minutos depois, dei a descarga, lavei as mãos e desci pro pátio do Instituto. Deu tempo até prum suquinho de goiaba (velho remédio!).
Os minutos foram se passando. Passando. Passando e nada do Gustavo aparecer. Comecei a ficar preocupado. Mesmo antes de ir estudar no IFCS, um amigo meu me contava de cruéis “apalpadores” de pingulim naqueles velhos banheiros. Teriam pegado meu irmão? No mesmo instante que já estava me desesperando, uns 20 minutos depois de ter saído do banheiro (hei, não sou desnaturado, o cara tava com mais dor de barriga que eu!) toca meu celular:
- Brunim? Brunim? Cadê você porra?
- Ué Tavo, "cadê você?" pergunto eu!
- Caralho, tô aqui sentado no vaso porra!
- E não saiu por que ainda?
- Cadê o papel higiênico?
- E eu não te dei antes de entrar no meu Box?
- Foi cara, mas aqueles pedaços que peguei eram pra limpar a borda do vaso e depois forrar pra eu sentar, porra!
Sim, acredite. Travamos essa conversa amistosa antes d’eu ir levar o papel higiênico para ele. O pior não foi isso, soube eu na semana seguinte, ouvindo a conversa de uns caras do curso de Ciências Sociais (gente pedante e que nunca arruma emprego quando se forma, a não ser pra dar aula de História invadindo nosso espaço!) tomando café na lanchonete do terceiro andar:
- Porra, semana passada, tava eu mijando e um maluco batendo na divisória: “Brunim, Brunim, para de sacanagem e me passa o papel aí porra!”.
Tem certas horas que eu me pergunto se não é melhor ter um “cu caseiro”!