segunda-feira, 26 de abril de 2010

A dicção da vida

O maior problema não é ser, é estar. Por isso, quando digo que sou, não estou dando sentido ao que não pode ser. Ao que não existe. Pois existir, por si só, já é palavra que não entendo. Assim, sumo. Pois sumir é mais que verbo transitivo direto. É esquecer em lugar que não se tem lembrança e é assim que eu quero que fique: no esquecimento. Pois, vovozinhas somem. Pardais voam. Encontram casa. E o saquinho de São Cosme e Damião fica lá na lembrança das ruas do subúrbio. Assim, o morro que desceu será esquecido. A rua que transbordou será deletada da sua lembrança. Cada lágrima. Cada grito. Essa é a dicção da vida. A cadência do bumbo do peito ou do repique do tamborim. O ronco malandro da cuíca se mistura ontem com o cheiro de terra molhada por chuva de verão. Aqui e lá. Lembrar é um esforço necessário. Mas que inexiste, já que some. Então são feitas estátuas. Homens de bronze. Escrevem-se certidões de nascimento, óbito, casamento, documentos que se perdem com a água que desce da colina. Feito e desfeito. Tudo some, eis que o verbo é transitório. A cada lágrima e em cada grito, o maior problema não é ser, é bestificado ficar.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Entre o sono e a vigília



Todo dia quando me deito tenho conversas com alguém que não sei quem é. Nem onde está. Nem como é. Na verdade, fico ouvindo minha própria voz nos meus pensamentos. Me confundo com o barulho do vento. Às vezes, escrevo belos poemas, penso em belas canções. Tudo isso dentro do mundo que crio quando deito a cabeça em meu travesseiro. E essa pessoa está lá, conversando comigo. Tenho quase certeza de que essa pessoa sou eu. São essas coisas que antecedem meu sono. Mas não descanso. Fico me fazendo perguntas, questionamentos sem fim. Pertencer a um lugar é o mesmo que amar alguém?
Hoje não aguentei essa conversa no escuro e me indispus com o travesseiro, com a cama, a colcha fina e o vento. Me levantei e no mesmo escuro que é a antesala do sono, resolvi te encontrar, seja lá quem você é, seja lá onde você esteja ou como seja.
A sala escura reflete apenas a luz da tela do computador, que são meus olhos agora correndo com as palavras surgindo em preto sobre o branco.
Nada mais angustiante, penso eu, do que o papel e a caneta num combate infinito pela palavra. O papel se mantendo branco – puro – e a caneta lutando para preenchê-lo com sua marca, seu cheiro de tinta, percorrê-lo com sua minúscula esfera que, perfeitamente, não deixa essa mesma tinta se borrar. Mas não é assim no computador. É lavou está novo. Você mancha e limpa com uma facilidade tamanha.
O mesmo penso dos quartos de hotéis. Uma cama, uma armário velho e vazio, uma cadeira e mesinha. E sobre ela um copo. Talvez, o quarto mais medonho que eu tenha ficado tenha sido aquele em São Luis, no Maranhão. Somente eu e o quarto com aspectos velhos. Porém, não descreverei o quarto. O quarto ficou para trás nos meus pensamentos.
Uma angústia estranha vara o meu peito. Nem eu mesmo sei direito se é angústia ou saudade. Não do quarto.
A conversa vai acabando. Entre o sono e a vigília. A conversa vai acabando. Entre o sono e a vigília. Entre o sono e a vigília... Sono... Sono... Sono... Vigília! Sono... sono... sono... sono... VIGÍLIA!
Amanheço comigo mesmo e uma sucessão de çççççççççççççç e de iiiiiiiiiiiiiiiii e de sssssssssss e de ffffffffffff que não dizem nada. Ou, talvez, digam tudo – o sono foi mais forte que a vigília. E você, quem é? Ficou comigo o tempo todo ou adormeceu bem mais rápido que eu no primeiro parágrafo?
Nem sei.

domingo, 11 de abril de 2010

A voz do violão...

A chuva vai indo embora. Duas ruas que se cruzam nesse momento: Sergipe e Rio de Janeiro. Segundo meu pai, o tempo agora a noite melhorou um pouco por lá. Aqui, um vento frio entra pela janela do apartamento, a orquídea sem flores pousa tranquila sobre o mármore branco desbotado. Foram horas de água desabando no céu. Não deixa de ter um certo glamour e um certo desespero. As duas coisas se confundem, às vezes. É como quem ver o mar do alto de uma favela. No player um cd do Baden Powell gravado em Bruxelas em outubro de 1999. Duas ruas que se cruzam: A vontade e a verdade.
Longe, mas não tão longe, observo meu violão descansando ao lado do sofá. Uma flanela branca o protege. O protege do meu sonho, da minha vontade. No fundo, o que tenho é só a verdade. Desde cedo o olho envergonhado. Durante toda a minha vida, penso eu, olhei esse instrumento leve, simples e absurdo, com vergonha. A maturidade agora me envergonha mais ainda. Quem sabe, por um curto tempo da doçura que é a primeira juventude ter com ele sonhado mais do que eu poderia ou, pelo menos, fingido que o conhecia bem.
Ontem, nessa mesma cidade pacata que hoje vivo com minha esposa, uns livros, Lp’s e cd’s, uma flauta transversa e este tal violão, presente de um querido amigo, jantávamos com uma visita. Em suas mãos trouxe um livro belo sobre os violões do Brasil. Consigo, também, um vinho rosé português que ajudou a adocicar o Alentejo que eu comprara uns dias antes para sua visita.
O livro a que me refiro se chama, exatamente, Violões do Brasil junto o belíssimo DVD contendo testemunhos, comentários, aulas. Assisti-lo me trouxe o sentimento misturado de prazer e dor. Sentimentos que, como ruas, se confluem.
Hoje a tarde enquanto assistia o documentário, enviei uma mensagem para esse meu amigo que me emprestou as raridades: “Chego a estar com vergonha do meu instrumento...”. O sentimento que eu tinha em meio à dor, era isso, exatamente isso: vergonha. Me perguntava, por que não havia estudado um pouco mais o violão, ou mesmo a flauta?, por que levava tudo numa doce brincadeira de criança? E onde havia ficado aquela brincadeira toda? Onde me perdi no tempo?
Agora ouvindo o velho e bom Banden sinto uma dor danada nas mãos por não ter estudado um pouco mais um dedilhado aqui, outro ali. Não ter estudado essa harmonia... aquela outra.
Mas a gente vai vivendo. Pois no fim das contas, o que vale é viver. E todo sonho de criança, quando fechamos os olhos, tentem a renascer.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Lendo um texto. Lendo outro texto. Lendo mais um texto. Esse é o meu contexto!

sexta-feira, 2 de abril de 2010

O cemitério de Paquetá

Quero a sorte de uma morte branda
Não tão velho
Nem tão criança
Sem capa ou obituário em jornal
Não quero ser nome de rua
Estátua em praça pública
Pois no fim só importa o caixão
Nem velório eu quero
É ofuscante a todo defunto
Alguém que chora mais alto
Do que o corpo estático na mesa
No fim das contas
É terra, verme e terra
Talvez um culto
Uma zuela tocada num terreiro
Uma missa do galo
Samba o dia inteiro
Não interessa
Eis que a carne apodrece
O corpo incha
E o sangue estanca
Assim como as lágrimas
O sangue estanca
Se uma cigarra cantar
Já vou feliz
Nem tão velho
Não tão criança
E se der
Que me deixem o corpo
No cemitério de Paquetá.