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ventríloquo [Do lat. tard. ventriloquu.] Adjetivo. Substantivo masculino. 1.Diz-se de, ou aquele que sabe falar sem abrir a boca e mudando de tal modo a voz que esta parece sair de outra fonte que não ele. E assim são os textos. Ao menos os que escrevo. Eles têm várias vozes. Minhas várias vozes. Em tempo. Tempos nublados ou com sóis. Não há muito o que dizer sobre mim. O resto está aí. Várias vozes sem mover meus lábios. O ventríloquo.
domingo, 28 de fevereiro de 2010
Um texto para ser lido: Sábado, madrugada. 27 de fevereiro de 2010. 03:34 AM
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sábado, 27 de fevereiro de 2010
O suicídio de Souza Paiol
Pego o isqueiro e acendo um cigarro inexistente
Enxergo a fumaça esbranquiçada
Penso no ontem
Pois do amanhã nada sei
Fortuna é um bem que não quero
Um pássaro emite seu som em algum lugar do escuro
Poucos carros passam na Avenida Adélia Franco
Penso em me perguntar quem foi ela um dia
Em algum lugar do mundo eu estou
Sozinho
Se olho para o lado
Vejo Alain Delon caído
Um morto na capa de um Lp
Uma foto é uma representação quase precisa
Uma lata de Guaraná Jesus e um sorriso
I’ve got a feeling ecoa no meu ouvido bom
“Todo mundo teve um bom ano...”
É isso que diremos
É isso que esperamos
Mais uma canção dos Beatles
O sonho de mais uma canção
Aquela que não conhecemos
Pois se São Miguel tivesse mesmo matado o dragão
Se São Jorge pisasse na lua
Eu faria agora minha oração antes de dormir
Mais um avião desce no aeroporto Santa Maria
São Sebastião flechado me feche os olhos
Eu quero dormir
Já é madrugada, mais uma madrugada
Uma mesa sem porta retratos
Uma bela canção de amor
Já não passa um carro
O pássaro foi tragado pelo escuro
Todos os santos levaram o fluído do isqueiro
Souza Paiol se matou.
domingo, 21 de fevereiro de 2010
Samambaia (Corpos num íntimo circular – Final)
Eu não sei como se formam os casais, tampouco se eles são reais ou fantasias de um universo abstrato, corpos num íntimo circular dentro de espaços apertados ou chãos umedecidos de suor, eu nãos. E mesmo que eu soubesse, não conseguiria descrevê-los para você agora. O cigarro realmente acabou e minhas pontas dos dedos queimadas evidenciam que a noite foi longa e sem luar, e sem estrelas, e sem vento. Dedos queimados, ausência de fumaça e luz. Uma desagradável vigília poética, como um corpo exprimido entre as estrofes perfeitas de um soneto.
Não importa os olhos úmidos – na verdade remelentos. Não importa o cheiro que vem da tua boca carnuda – na verdade um mau hálito eterno. Não importa o perfume e o calor do teu suor – na verdade um odor insuportável de sujeira. Eu vou só àquele lugar.
Sente-se comigo aqui, só um pouco. Abrirei mais uma garrafa de vinho escocês e brindaremos em copos de massa de tomate. Apreciaremos o que há de melhor na boa gastronomia suburbana: pedaços de moela ensopada e ovo rosa expostos na estufa de vidro. Peça um galeto ressecado, não tema, eu pago. Conclua sua frase, vamos, tome um gole de Dreher e verá que a vida será mais macia. Vamos, aprecie esse charuto.
Estou tonto. Dois Harvard acabaram comigo... A Avenida Atlântica, a Vieira Souto... Estou na Primeiro de Março. Estou na Sacadura Cabral. Rodo, perco, o rumo. Estou com as calças molhadas. Estou sem me ver... Acho que isso e fim.
Parte I do conto: http://oventriloquo.blogspot.com/2010/02/corpos-num-intimo-circular-parte-1.html
Parte II do conto: http://oventriloquo.blogspot.com/2010/02/por-amar-demais-corpos-num-intimo.html
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
Fiquei de ir à Universidade, porém, um desconfortante problema fisiológico me deixou, madrugado, em casa – só acordo cedo quando necessário. Após o banho e à desculpa, devidamente compreendida, dada a um companheiro que iria comigo até lá, me deu uma baita vontade de conversar com alguém. E eu estou aqui. Então: “come together”!
Desde ontem estou com uma frase na cabeça: “Devia ser proibido debochar de quem se aventura em língua estrangeira”. Esta é a frase inicial de Budapeste, para muitos, o melhor romance escrito por Chico Buarque – confesso que fico dividido entre ele e Leite Derramado e, no fim das contas, voto sempre em Estorvo para não se ingrato com esses seus escritos mais “maduros”, porém, é outra história, outra conversa.
O motivo da frase ter renascido na memória, mesmo depois de tanto tempo da leitura desse livro é, no mínimo, babaca . Observo que muita gente coloca no Orkut frases em outros idiomas, inclusive eu: latim, inglês e agora há uma onda de francês. Me lembro que quando eu era garoto fui colocado num curso de língua estrangeira e pude optar pelo inglês ou espanhol – escolhi o segundo, pois achava quem estudava inglês meio chato. Passado esse tempo, já no fim da adolescência e início do curso universitário me matriculei num curso de francês, talvez, o único idioma que eu estudei com afinco e vontade. O engraçado é que eu não saia por aí escrevendo em página de relacionamentos (talvez, porque não existiam muitas como hoje) em língua estrangeira. Eu pensava, na época: “ora, por que escreverei e outra língua como estou me sentindo se praticamente ninguém entenderá o que escrevi?”. Está certo que hoje existe o maldito ou bendito, não sei, tradutor do Google. Um dia, fiquei curioso e fui ver como funcionava. Fiquei realmente impressionado, mas como todo tradutor há várias traições ali. Então, melhor não confiar muito. Voltando ao assunto.
Aí você começa a observar esse fenômeno interessante, não é? E fica se questionando, pelo menos eu fico, qual o motivo das pessoas fazerem isso? Será que estão estudando o idioma? Será que querem esconder o que sentem? Será que querem tirar onda? Será que são babacas mesmo? Agora recordei uma babaquice. Na época de universidade, eu tinha uns amigos que gostavam de utilizar expressões em inglês ou mesmo soltar umas frases na língua das ilhas. Aí, quem não sabia o idioma ficava com cara de... Babaca! Outro sinônimo de babaquice é nos obrigarem a falar as palavras certinhas, com a pronúncia correta. Me sinto desobrigado quando não sou um estudante do idioma e também quando não quero ser. Que babaquice! E vamos treinar o th... vamos lá: todo mundo pronunciando direitinho! E o cou? Pronuncia direitinho cou, hein?
Mas é admirável. Juro que é! Acho bonito o esforço de aprender uma língua estrangeira na solidão. Eu, confesso, não conseguiria, talvez, por ausência de força de vontade. Ainda prefiro os cursinhos, as aulas particulares ou a necessidade do dia a dia. Acho que, por isso e só por isso: “Devia ser proibido debochar de quem se aventura em língua estrangeira”, mas, poxa, Chico, é difícil não debochar, não é não? Aliás, perdão, às vezes, é legal ser babaca! Então, viva as babaquices que ainda temos coragem de fazer! Como os trocadilhos com cou! Salve, São House!
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
Libertango
Me liberto com os lábios molhados de vinho espanhol
Zonzo, circulo os dedos
Penso se existo
Suo, pois o calor nordestino me consome os poros
Suas mãos correm no bandoneón
Não compreendo bem a força daquele som
Sei que ele existe e que ele existiu
Meio zonzo deixo pistas para o adeus...
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
A tristeza de um folião...
Acho que anda ficando evidente: tristeza. Muita coisa boa, sem dúvida. Mas a tristeza vem como vento, às vezes. Você se desvia, mas tudo te faz lembrar de um momento, de um período, de um segundo exato, quase que parado nas teias do tempo. Comovente, não?
“A memória é seletiva” sempre disse a Preta. Menos mal, para onde olho aqui, não lembro do carnaval que cresci vendo. Só ouço a palavra. É carnaval. Porém não é meu carnaval, nem pior ou melhor, apenas não é meu. Não posso listar nada que me incomode, não são muitas coisas nem poucas – não são listáveis. Apenas não estou onde queria estar, não suo como queria suar: paciência (coisa que não tenho).
Na TV, um documentário sobre um bloco tradicional do Rio de Janeiro: O Cacique de Ramos. De quebra ainda um destrinchar sobre outro que tem se tornado um dos melhores blocos para se perseguir com a família: O Cordão do Boitatá.
Com este último tenho uma relação muito íntima, quase religiosa, me aproprio aqui da tese de Aldir Blanc em letra que veste a belíssima melodia de Moacyr Luz, em Vitória da Ilusão se argumenta: “Carnaval, missa campal do povo brasileiro/ Onde a hóstia sagrada é o pandeiro/ Carnaval, celestial império do trambique/ Onde o crente idolatra o repique...”. E é mais ou menos isso mesmo. Difícil não dar nem que seja uma espiadinha nos desfiles, não acompanhar o Jorge Perlingeiro abrindo os envelopes, dando as notas... Você ali, sentado no chão da sala de estar com amigos depois de uma rabada de boi, depois de passar o final de semana inteiro correndo atrás de blocos de rua no Centro.
Como se cansar saindo atrás do cortejo do Boitatá, em pleno domingo, às 8:00 e continuar no seu baile aberto na Praça XV até às 16:00? E ainda pedir mais! Como se cansar? Comer milho cozido e salsichão o dia inteiro. Bebendo cerveja latão, tomando banho de água de gelo dos isopores... como se cansar? Meu camarada: “só se for agora...”. Mas não é...
As figuras lendárias do meu carnaval de rua: Kimon, o verdadeiro carnaval é ao seu lado. Thiagão e seu chapéu de camisinha da rádio Globo! Renatinha e Brunão, com os roteiros de blocos sempre guardados na bolsa... Esses dois só vejo nessa época mesmo. Pauli e Amoreco... Eu e Preta! Dá-lhe cerveja, dá-lhe barganha com os camelôs... “Só se for agora...”. Mas não é...
Como se cansar de ouvir Moyseis Marques (fantasiado de Moyses!)? Teresa Cristina e sua tradicional camisa de times! Pedro Miranda e sua peruca loira? Ali, cantando no palco do Cordão do Boitatá e a gente lá embaixo pulando no sol escaldante... Torcendo pr’algum camelô jogar pro alto gelo derretido... Dali puxar para Zona Sul, metrô lotado... Fantasia de tudo que é tipo... calor e você: sorrindo. E se me perguntam: “mas hoje você está melhor?” Eu respondo cantando: “Carnaval passional:/ Veias de serpentina,/ A alma de isopor e purpurina...”. Carnaval e carnaval e como diria o jovem Chico Buarque de Hollanda, lá pelos idos de 1966: “Era uma canção, um só cordão/ E uma vontade/ De tomar a mão de cada irmão pela cidade/ No carnaval, esperança/ Que gente longe viva na lembrança...”. E esses irmão, estão aqui, no coração e na lembrança! Bom Cordão do Boitatá para vocês galera!
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
Por amar demais (Corpos num íntimo circular – parte 2)
No caminho encontrei João. Ele gosta de bar. Por fim, estávamos eu, João e alguns copos vazios na mesa de um bar de não me lembro onde. Mas não é por isso que não te liguei.
Eu, depois de João, reencontrei Doralice, uma amiga dos tempos de colégio – e como eram bons os tempos de colégio. Nos perguntamos como estavam fulano e sicrano. Com quem Maria havia se casado e porque Alberto se suicidou. Quando vi já passava das vinte. E dez foi o número de drinks que nós dois tomamos num bar distante daquele que eu e João nos sentávamos depois das aulas na universidade.
Não é nenhum tipo de sonho, pois dali continuei a mesma caminhada de sempre. Parei para comprar cigarros e percebi que tinha todos os bolsos vazios. Parei para comprar pois só me restava um rebento e o acendi e traguei como quem dá um suspiro longo antes da morte. Eu estava próximo à praia de Copacabana. As putas do calçadão poderiam ter pena de mim e, sei lá, quem sabe me cedessem dois ou três reais para a passagem de volta – pena elas não tiveram, pois esse é um sentimento para os fracos.
Àquela altura do campeonato eu já não queria ligar para o João ou Doralice, poderia pedir-lhes uns trocados ou, quem sabe, pegar de volta o que gastamos horas antes com bebidas e prosas inventadas. O eu não querer não quis dizer que não o fiz. João não atendeu a ligação a cobrar e de Doralice eu não lembrava o telefone...
Me lembrei que Fernanda me dizia que Copacabana é um grande quadrado de ruas... Peguei assim a Figueiredo Magalhães – pode procurar no mapa – e saí rápido da Avenida Atlântica, eu não tinha tempo disponível para continuar a caminhar ali e o mar me dava náuseas, ou talvez fosse o uísque barato? Assim, avistei a Barata Ribeiro e dali eu saberia sair...
Eu não te liguei por amor que tenho. Já bebi demais essa noite. Como disse, seu nome era João e seu nome era Doralice. Os dois juntos eram um homem, nem tão velho, nem tão jovem. Ele me contou histórias de um tempo de juventude. Um dezembro e uma mulher às vésperas de um grande encontro. Percorri com esse homem os botequins mais vagabundos, os inferninhos da Mauá, os bares mais tradicionais, os restaurantes mais chiques. Ele empunhava um charuto cubano e parecia exalar uísque caro, aquele que eu não posso beber. Falava gesticulando as mãos e tinha um sotaque carregado no x. Esse homem, eu não sei, brotou ao meu lado e eu nem vi. Quando percebi estávamos no Bar Luiz. Numa Igreja. No Amarelinho e o chope não acabava.
Eu não te liguei por amor e respeito que tenho por ti e por isso me surpreendi ao ver teus olhos úmidos quando eu disse que partiria e não voltaria mais. O homem falou que no Mato Grosso há empregos e terra de sobra para quem quiser ir. O morro me é um amor, o samba me é um alento. Mas subir todos os dias, confesso, eu já não agüento. Por isso não te liguei. Esse é o motivo de toda essa história. E eu procurei em todos os cantos um verso perfeito para te declamar, mas eu não conseguia. Antes do homem, peguei o bondinho e subi até Santa Teresa, enquanto o vento batia em meu corpo e meu corpo sobrevoava os arcos, senti vontade de pular como aquele rapaz próximo ao Circo Voador, porém, não tive coragem. Mas encontrei esse homem e ele me deu de graça esses versos de samba e eu não sei se é Ataulfo, Noel ou algum outro bamba, talvez, tenha sido o próprio porre que lhe deu uma banda, só sei que antes de partir sorrindo ele me disse quase cantando e me chamando de filho: “eu vivi o que pude e não me arrependo de nada, aproveitei enquanto pude toda bela madrugada...”. Me compreende agora a fadiga?
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
Corpos num íntimo circular - parte 1
Com uma sutil ousadia lhe despiu a alma em noites brandas e com as pontas dos dedos desembaraçou-lhe os cabelos longos e pretos – estava por cima de si e era leve e fantasiosa a menina.
Naquele canto da cidade, lugar onde os sonhos não se movem, os corpos derramados e as marcas de lábios, como impressões digitais, na borda das taças de vinho branco italiano, entrecortaram o vento que entrava pela sacada. Ao longe o longo caminho de volta para o nada, tendo em seu peito tudo que mais desejava: desejo.
Um disco antigo rodando na vitrola – era 71 – e um poema de Gullar ilustrava seu momento: Poema. As coisas daquele canto: os corpos, as taças, o vinho... o chocolate já quase derretido. O cheiro forte do suor e a língua no ouvido. Isso tudo ouvi. Sentado apreciando meu cigarro.
Um homem maduro, não tão jovem, mas não idoso, sentado, apreciando seu uísque, bocejava tais encantos para mim: “éramos dois: eu e a menina”.
Confesso não saber ao certo o que ele me impôs. Não sei se a garrafa gelada de cerveja para mim, suando ao sol do Rio de Janeiro. Não sei se foram depois as línguas defumadas à milanesa e o chope no Bar Luiz. Só sei que calmamente me contava seu 1971 e as noites sentindo nos lençóis o cheiro da mulher que lhe matou o apetite e lhe abriu os olhos para o mundo. “Uma menina” dizia ele em meio as baforadas do cubano.
Pagou mais uma conta e caminhando percorremos a Carioca até a Avenida Passos e paramos na Igreja Nossa Senhora Lampadosa. Não satisfeito com sua reza e com a tarde caindo, a conversa foi dar no Amarelinho e ali ficamos entre chopes e a Cinelândia com as luzes dos postes velhos acendendo. A agitada Praça Floriano com pessoas indo e vindo... rarefazendo.
Ele lembrava seus corpos nus, juntos no antigo colchão da casa. Aquele canto onde os sonhos não se movem, mas nos obedecem. Já cauteloso do fim, sentindo o fim perto, o homem bateu em meus ombros, sorriu e bem direto me disse: “eu vivi o que pude e não me arrependo de nada, aproveitei enquanto pude toda bela madrugada...”. Pediu o chorinho e partiu. Pensei em letra de samba, em poema de boêmio. Vasculhei cada canto do meu cérebro na longa jornada para casa e em nenhum lugar encontrei, no fundo, um verso tão marcante que resumisse o fim da juventude.