sábado, 16 de janeiro de 2010

Um domingo



Algumas coisas engraçadas da vida. Estava agora pouco no banheiro e me lembrei do último – ou penúltimo – poema que publiquei em uma antologia. Na verdade, há um imbróglio nisso tudo, o editor me pediu uma crônica, acho que já ficou visível que não sei escrever crônicas, fiquei, então, uma semana, mais ou menos, maturando sobre o que escrever. Então volto pro banheiro, melhor, para minha memória de agora pouco no banheiro. Vi uma barata, na época e agora. O que deveria nascer como crônica se inspirou numa barata.
Terminada a escrita, olhei bem e gostei do que havia colocado no papel, mesmo sabendo que “papel agüenta muita lorota”, como já disse Graciliano Ramos. Todo empolgado, sem medir tempo ou qualquer outro tipo de força maior, enviei para o editor, que tenho certeza, não pensou muito se era crônica, piada, poesia ou prosa, ou mesmo um rabisco qualquer. Entrou na antologia de crônica uma prosa poética, intitulada Livros, que satisfeito eu dedicara ao meu primo Gustavo Alvaro. Como crônica, era um desastre, mas como prosa poética, era bela as letras no papel.
Amanhã o moleque vem aqui almoçar comigo, o último almoço na casa dos meus pais. Pela manhã levarei minha esposa ao aeroporto para se despedir de uma irmã que veio ao nosso casamento e que mora na Bahia há alguns anos. Depois a deixarei na casa de uma prima e volto para almoçar em casa – domingo será dia de despedidas, para ela e para mim.
Enquanto relembro causos aqui, nesse último fim de semana no Rio de Janeiro, na casa de meus pais, com a presença dos meus amigos, com o som do samba, do violão e da flauta. Meu peito bate como um bumbo, caminho como que seguindo marchinhas de carnaval de rua. Ouço em silêncio o belíssimo cd Samba da Cidade, gravado em 2005, por Moacyr Luz, artista que me consolou todo tempo em Aracaju. Esse disco, um daqueles que você só empresta para grandes amigos, é recheado de preciosidades, canções lindas, eu listaria aqui várias que me tiram lágrimas dos olhos: Som de prata, parceria lindíssima do violonista com o poeta Paulo César Pinheiro, escrita em homenagem a Pixinguinha. Ou então, Vila Isabel, feita com Martinho da Vila, a fantástica Praça Mauá: Que mal há? com o craque Aldir Blanc, esse, sim, um dos grandes cronistas cariocas. Porém, uma em especial embala minha noite hoje, fim de chuva, o calor voltando, raios longínquos mas sem amedrontar, uma preguiça gostosa depois de uma boa feijoada em Padre Miguel, um gosto de caipirinha com cachaça mineira na boca, uma coisa que só eu sei. Uma música que me fala muito, que me embala esse fim de jornada. E que por ironia do destino se chama Tudo que vivi. Essa parceria fantástica entre Moacyr Luz e o grande Wilson das Neves me tirou lágrimas hoje. Mas curioso ainda é o verso: “no anel de ouro o meu santo forte”. São Jorge. Não sou católico. Mas é engraçada essa coisa desse santo, o santo guerreiro. Me lembro que foi estudando São Jorge que ingressei na vida acadêmica, sobre ele ou pelo menos inspirado em como a cavalaria na Idade Média se inspirava nele, que iniciei minha jornada e é assim tudo que vivi:

Quando dei por mim mudei de caminho
Encostei no fundo do coração e cantei sozinho
Fiz um tamborim com as minhas mãos
E a canção surgiu
Como nasce a luz numa escuridão
Minha inspiração.
Me lembrei de mim lendo a minha mão
E a melodia bordando contas do meu cordão
Tudo era destino
Tudo aconteceu
Pra dizer em verso o que minha vida já escreveu.
Com amor amei
Árvores plantei
De me emocionar sempre que aprendi
Nas vezes que errei
No anel de ouro o meu santo forte
E por isso eu digo pra Deus: Oh sorte que te encontrei!

(Moacyr Luz e Wilson das Neves)

Um comentário:

G. Alvaro disse...

O moleque? Quem eu??

realmente, crônica vc não sabe fazer não, mas o resto compensa.


Leve meus abraços pra paraíba, ops, Sergipe.