segunda-feira, 11 de outubro de 2010


Entro afoito nos minutos vazios da página em branco. Tenho 24 horas por dia, mas quase não olho o relógio. Os livros sobre a mesa – são tantos. Devo lê-los com a mesma necessidade que como, que bebo, que cago... Mas é só à noite que tenho espaço para os meus pensamentos, há tempos eles me sufocam. Não me sinto perseguido pelo tempo. O tempo é o vento da alma.
Àquelas frases de efeito brindo com um copo de sentimentos. Ouço os passos no apartamento de cima. Respiro o cigarro do apartamento de baixo. As cadeiras são arrastadas por rostos que não consigo nem descrever. Os livros repousam sobre a mesa. Vejo mais um filme do Woody Allen na TV e penso como seria viver em Manhattan. Esqueço. Não, eu não conheço Manhattan. Conheço bem a Central do Brasil, a rodoviária, o camelódromo da Uruguaiana. Os caminhos que me levam do Campo de Santana até o Largo da Carioca a pé. Consigo desenhar um mapa da loja de discos no sobrado da 7 de Setembro. Esqueça.
Mas ontem mesmo sonhei que caminhava pelas ruas de barro da Ilha de Paquetá. Sonhei que via lá longe as torres da Reduc cuspindo fogo pro ar. Sonhei em escrever uma carta longa, profunda, com muitos neologismos, implorando ao prefeito da cidade do Rio de Janeiro que olhe por Paquetá. A Paquetá da nossa infância. Pedir a ela que tombe o Biscoito Globo. Que cuide das Cutias e preserve as coisas típicas dos cariocas. Esqueço. Pois entro afoito nos minutos vazios da página em branco e tenho pouco, muito pouco tempo para tentar falar o que sinto.
Those mistakes we make in everyday life. And life becomes a torture. So I think everything I say is in vain that sheet of paper that involves bread. But, by God, how I wanted to write in English. How I wish I knew Manhattan. See your lights, drink in its bars, listen to their songs. Forget.

sábado, 21 de agosto de 2010

Sem aquela velha vontade de chorar segui sorrindo. O sol se pondo atrás de mim, ficando pra trás Anchieta, Deodoro e Hermes da Fonseca... O ventinho do subúrbio, bem perto do inferno que é o calor de Bangu. As pracinhas lotadas e o friozinho do inverno na Zona Oeste.
Ou como não lembrar do escorrego da pracinha em Realengo, um outro extremo de história. Atravessar atentamente a Água Branca com medo de morrer atropelado. A vó dando dinheiro pro hambúrguer da Dona Idê a “mulher do Dê”. Como não sorrir com os tios sacaneando o coitado do maluquinho que morava do outro lado do muro: “Déda? Já vai...”. O pedaço de algodão com iodo colado no teto do quarto das tias. A biblioteca cheia de livros do Tio Deir... Ou o cheiro de cola de sapateiro na pequena oficina do avô. Os natais recheados de presentes, empadas de tabuleiro, rabanadas e pasteis. Acordar cedo e ir pra feira ver meu avô negociar seus curiós. E o Bob? Cachorro estranho que viveu mais de 15 anos cuidado a pão de ló. O fim de tarde hoje está parecendo com aquele da velha infância em Realengo. E eu nem sei mais.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Essa tal modernidade...

Quando eu tinha uns 14 anos e cursava o antigo 2º Grau num colégio de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, fui selecionado pelo CIEE para fazer um estágio no recém inaugurado shopping da cidade. Era minha oportunidade de ganhar meu primeiro trocado com meu próprio esforço.
O trabalho? Simples! Anotar em algumas lojas selecionadas pela direção do shopping o que estava sendo comprado e a quanto pelos clientes – registrado ou não pelo caixa. A isso, nosso coordenador chamava Auditoria. Pois bem, eu fazia, meio sem entender, um estágio de auditoria!
Certo dia – um sábado ensolarado em que eu poderia estar soltando pipa ou jogando bola – estava eu de pé, já umas quatro horas, anotando tudo que saia de uma loja dessas de comida a quilo, quando um sujeito me chamou muita atenção:

- Meu cumpadi, solta um chope aí! Caprichado no colarinho, hein?
- Pois não, senhor!
- Não, não meu filho, deixa transbordar um pouco o chope da tulipa!

Nada demais. Anotei o valor do chope e ali continuei aguardando novos clientes, novas sonegações, etc. De repente...

- Desce mais um, ô de Queimados! E deixa transbordar um pouco!

Na décima nona tulipa – eu contei e como contei! –, eu não aguentei e tive que questionar o cidadão, com a maior polidez do mundo, claro!

- Senhor, desculpa mesmo perguntar. Mas por que o senhor pede pro rapaz aí deixar transbordar um pouco do teu chope?

O cara, mais prá lá do que prá cá, sorriu – deve ter percebido minha cara cheia de cravos e espinhas e aquele bigodinho ralo, mais pra buço do que pra barba – e respondeu:
- Ô da caneta! Tempus modernus! Tempus modernus! E tu já viu alguém nessa porra de shopping entornar no chão uma pro santo?
- Não.
- Pois é, pois é! Falta de respeito do cacete! Se eu fizer isso, um desses seguranças vão vir armar barraco e eu não tô afim! Por isso já deixo a do santo aqui, assim ninguém me atazana as idéia! E salve Jorge! Ô meu santo guerreiro!

Pois é, né? Como diria nosso amigo: “Tempus modernus”!

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Me passa o papel aê...

Subúrbio, doce subúrbio. Quero que se danem aqueles que dizem que não morei meus vinte cinco anos de vida no subúrbio carioca! Muito jovem, quando dizia que morava em Mesquita para alguém do Leblon, Gávea ou adjacências zonasulescas, rapidamente vinha o comentário: “Sei, sei, na Baixada Fluminense, né? No subúrbio...”. Tai desolados: fui criado no subúrbio também! Poderia não ter o glamour do Méier, Madureira, Quintino, Tijuca ou Vila Isabel... Mas também era subúrbio! Diga lá, coração, e o Chico Buarque não cita Nova Iguaçu na música “Subúrbio”? Confere lá, camarada! E antes que vocês me digam que minha querida Mesquita não é Nova Iguaçu, ela o foi durante muito, muito tempo, bairro importante da cidade das laranjas! Hoje, sem dúvida, cidade DOS LARANJAS! Caso encerrado. Vamos à uma pérola dos subúrbios...
Essa é de um grande amigo meu, apelidado de Feio (por ser bonito), morador de Vila Isabel (ao menos o era na época). Um dia, em conversa de botequim no Centro do Rio, o assunto era caganeira. Pois é, não sei se o tema surgiu por conta dos petiscos arqueológicos dentro da estufa do pé-sujo ou porque um de nós se ausentou para libertar o barroso (com todo respeito ao almirante!) após comer tais artefatos, enfim. Esse meu chapa, explicando que não evacuava nunca fora de casa, utilizou muito bem o famoso jargão: “meu cu é caseiro”! O CUrioso é que, tempos depois, bebendo num outro barzinho e comendo churrasquinho de gato, com uma rapidez impressionante ele separou sua parte na conta e suando frio foi embora pegar o Vila Isabel na Presidente Vargas: estava apertado para ir ao banheiro! Porém, história melhor (e verídica) passei eu e meu primo-irmão, mais irmão do que primo, Gustavo Alvaro, também no Centro da Cidade Maravilhosa... Essa é pros netos, sem dúvida!
Tinha eu que prestar contas na Marinha do amado Brasil, aquela coisa de carimbar o certificado de reservista... Boa oportunidade para tomar aquela cerveja gelada no Centro. Liguei para o meu fiel acompanhante em assuntos de Centro (do Rio):
- Fala aí Tavim, vamos comigo amanhã na Praça Mauá?
- Pra quê cara?
- Tenho que carimbar o certificado de reservista. Depois a gente roda um pouco pra procurar disco e toma uma cerveja. Fechou?
- Sabe o que é, Brunim? Eu tô com a maior caganeira cara... Acho que não vou não.
Com muito carinho e poder de persuasão, argumentei:
- Deixa de ser viadinho, vamos comigo, também tô com um revertério filho da puta. Eu levo papel higiênico na mochila cara! Vamos?
- Que se foda. Vamo nessa porra!
Japeri da tarde. Tranquilo. Deu até pra ir sentado admirando a paisagem. Cada estação, cada pessoa que entrava e saia do trem. Chegamos a Central do Brasil. Caminhada considerável até a Praça Mauá, no caminho paramos pra ver uns chapéus, olhamos revistas nas bancas... Tudo na maior paz intestinal!
Já na fila ao lado de outros muitos jovens de 20 anos, que como eu aos 18 cometeram o erro de se alistar e servir à Pátria mãe gentil já raiou a liberdade no horizonte do Brasil, meu irmão (que não serviu em porra nenhuma) já começou a ficar meio esbranquiçado. Por experiência de convívio: ele só fica assim, quando não tomou Plasil e vai vomitar ou quando vai se cagar (nem quando ele faz uma merda, outro tipo de merda, ele perde sua cor moreno jambo – expressão da minha mãe). Pensamos: “fodeu”. Rapidamente, eu já tinha uma saída, ao pé do ouvido, sugeri:
- Cara, pega a mochila aqui e vai dar uma cagada no McDonald’s ali da esquina da Rio Branco...
- Porra cara, cagar no McDonald’s é foda, cheio de adolescente entrando e saindo, apertadinho. Rola não. Vou segurar.
E segurou.
Resolvido os problemas civis, pegamos a Rio Branco, paramos na Livraria da Travessa, olhamos uns cd’s, uns livros... Dobramos a Presidente Vargas e um sinal de alerta me foi dado:
- Cara, a vontade tá voltando.
- Sem problema, também tô sentindo umas pontadas na porta. Vamos no Real Gabinete Português de Leitura (banheiro limpo, discreto).
- Beleza. Vamo simbora que tá sinistro!
Acredito que em alguns casos, caganeira é uma merda mesmo! E longe de casa então: nem se fala! O difícil foi desviar dos carros e camelôs na Uruguaiana (naquela época não havia essa moda do Choque de Ordem), mas heroicamente conseguimos chegar no Largo de São Francisco de Paula... Quando estávamos quase entrando no Real Gabinete uma reflexão (antes do vaso) me alertou prum perigo:
- Tavim, são 11:50, não me lembro se o Real Gabinete fecha pra almoço.
- E daí, porra, eu quero é cagar, não quero ler Camões!
- Não cara, putz, e se fecha com a gente lá cagando? Lembra que o banheiro é no subsolo? (De fato, eu cagava muito no Real Gabinete Português de Leitura, posso descrever para o querido amigo que me ouve, como era a latrina, o espaço milimétrico, quantos degraus para chegar até lá, confesso só não me lembrar de quem era a estátua que ficava na frente da bela porta de madeira que separava a sala de leitura da sala de leitura que os ignorantes chamam de banheiro!).
- Porra, é mesmo cara! A gente ia ficar trancado lá um tempão.
- Ou pior, um dos funcionários ir conferir se tinha gente dentro do banheiro e a gente lá cagando? (Juventude, doce juventude. Tempos depois no perigo iminente de me cagar todo, não pensei duas vezes em entrar num pé-sujo de Nilópolis gritando pro atendente, me arruma uns guardanapos?!?!?!?!).
Como um bom suburbano da Baixada Fluminense (não sei se essa expressão existe), eu tinha um plano B: Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, para os mais íntimos: IFUC’s, opa, não, IFCS.
Se meu amigo Feio exaltava a “caseirice” do seu fiofó, meu chapa, nem te conto quantas vezes que já “fiz caquinha” fora de casa (quis amenizar a conversa, né?).
Terceiro andar, passamos batido pela porta do Pem, naquele momento eu não queria encontrar nenhum amigo de estudo, e conseguimos chegar no banheiro. Como todo bom toalete de universidade pública: não tinha papel! Não criemos pânico! Um rolo novinho estava na minha mochila preta e surrada da Topper! (lembra?)
- Brunim, me vê um bom pedaço aí cara!
Ado, ado, ado, cada um no seu quadrado. Dez minutos depois, dei a descarga, lavei as mãos e desci pro pátio do Instituto. Deu tempo até prum suquinho de goiaba (velho remédio!).
Os minutos foram se passando. Passando. Passando e nada do Gustavo aparecer. Comecei a ficar preocupado. Mesmo antes de ir estudar no IFCS, um amigo meu me contava de cruéis “apalpadores” de pingulim naqueles velhos banheiros. Teriam pegado meu irmão? No mesmo instante que já estava me desesperando, uns 20 minutos depois de ter saído do banheiro (hei, não sou desnaturado, o cara tava com mais dor de barriga que eu!) toca meu celular:
- Brunim? Brunim? Cadê você porra?
- Ué Tavo, "cadê você?" pergunto eu!
- Caralho, tô aqui sentado no vaso porra!
- E não saiu por que ainda?
- Cadê o papel higiênico?
- E eu não te dei antes de entrar no meu Box?
- Foi cara, mas aqueles pedaços que peguei eram pra limpar a borda do vaso e depois forrar pra eu sentar, porra!
Sim, acredite. Travamos essa conversa amistosa antes d’eu ir levar o papel higiênico para ele. O pior não foi isso, soube eu na semana seguinte, ouvindo a conversa de uns caras do curso de Ciências Sociais (gente pedante e que nunca arruma emprego quando se forma, a não ser pra dar aula de História invadindo nosso espaço!) tomando café na lanchonete do terceiro andar:
- Porra, semana passada, tava eu mijando e um maluco batendo na divisória: “Brunim, Brunim, para de sacanagem e me passa o papel aí porra!”.
Tem certas horas que eu me pergunto se não é melhor ter um “cu caseiro”!

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Postagem nova no Retropleco

Bom pessoal. Como eu disse no último bate-papo, deixarei O Ventríloquo um pouco de lado por motivos profissionais. Porém, de tempos em tempos, ando proseando no Retropleco, espaço que mantenho há tempos e que já foi dividido com muita gente bacana. Lá a conversa e puramente musical... Basta clicar no título da postagem de hoje aqui n'O Ventríloquo que vocês serão direcionados automáticamente para a postagem mais recente de lá... A última empreitada se chama "A Psiquiatria de Aldir Blanc - Vida Noturna" no qual analiso o cd "Vida Noturna" lançado em 2005.
Acampanhem, vale a pena!
Abração

terça-feira, 11 de maio de 2010

Sobre um suicídio virtual: em tempo de Twitter twists demais!

Ontem dormi com uma sensação engraçada. Na verdade, uma lembrança. Dia desses, eu estava assistindo TV com a minha esposa e nos deparamos com a entrevista de um “roteirista, produtor, ator, humorista, blogueiro...”, segundo apresentação do entrevistador. Naquele momento, minha esposa se assustou e me questionou: “desde quando blogueiro é profissão?”. Pois é, minha querida, há muito que escrever opiniões, humor, impressões, poemas, notícias e afins, é profissão e baita profissão, aliás!
Na verdade, pelo pouco que sei e, talvez, eu seja um dos poucos que ainda faz isso, o boom blog surgiu, aparentemente, com o objetivo de pessoas “registrarem” suas vidas, como um diário, só que agora, esse diário, em tese, sua vida, estaria aberta para todos que tivessem acesso à Internet. Lógico que, para os engraçadinhos, os felizes, os críticos, fazer humor é parte da vida, o que é bonito. Para os mais pornográficos, há espaço para as fotos de sacanagem. Para as mamães de primeira viagem, casais, enfim, há blog para tudo.
Mas um blog também é um espaço vazio, um blog também pode ser um espaço de silêncio. De você mesmo reler seus pensamentos. Entendo que todo aspirante a escritor ou toda pessoa que consegue, no mínimo, se expressar com frases escritas – algo que a nossa parca educação não nos permite de forma plena, daí acreditar eu que talento e bom estudo nesse momento crucial deverem se unir como um belo casalzinho de namorados – sobre seus sentimentos e impressões, sobre o mundo interno e externo, queira leitura, queira leitores. Mas desde a Idade Média, leitura e leitores sempre foi uma junção complicada. Mais problemática ainda, talvez, no que chamamos de Idade Moderna. Não vou divagar mais.
Entrei na era Twitter, achei bacaninha, bonitinho. Eu até compartilhava a etimologia da palavra: dava risadinhas, tagarelava, etc. Comecei a viciar. Tinha que entrar para “twittar” – palavra nova no vocabulário da moçada! Em 140 caracteres com espaços, eu comentava meu dia, minhas impressões sobre o mundo pequeno em que vivo, tentava contar uma piadinha ali outra acolá. “Seguia” alguns artistas, amigos, parentes... Uma forma peculiar, pelo texto reduzido, de acompanhar as novidades de todo mundo. Porém, 140 caracteres é muito pouco para coisas importantes. Sim, isso é uma crítica. Me lembro agora uma micro conversa que tive com Gustavo Alvaro sobre isso. O que mais me marcou foi: “cara, as pessoas tem preguiça de ler. As pessoas não lêem e quando o fazem tem preguiça de tentar entender o que eu disse.”. Perigoso. Complicado. Naquele momento, percebi que estou ficando velho. Achava que era jovem por dominar, bem relativamente, essa coisa de blog ou, pelo menos, ter um. Tenho cidadania: possuo um perfil no Orkut.
Entendo, o que não deixa de ser, o “drama” do Gustavo Alvaro, que para mim, o é. Sim, acho dramático as pessoas não quererem mais: ler. Claro, não podemos, nem eu, nem ele, generalizar, ainda existem leitores, principalmente, para aqueles que escrevem bem e, mais ainda, para aqueles que conseguem unir o casal talento e boa escrita.
Daí, fui enjoando do Twiiter, já há duas semanas. Ontem, foi a gota d’água. Tentando levar um pouco a sério essa coisa da escrita, em alguns momentos fúteis, já que eu usava o micro-blog muito para falar sobre o meu dia e principalmente sobre o que comi e bebi (!), cobrei mais textos do Gustavo, aliás, bom escrevente em diversos segmentos... Com as suas sacanagens de sempre, me fez perceber a desnecessidade de perder, no mínimo, mais uma hora do meu dia na frente do PC! Primeiro passo: fui procurando a ferramenta para desfazer a conta, não encontrei num primeiro momento. Segundo passo: consegui ir desmarcando as exatas 22 contas que eu seguia, inclusive a dele, parei na dele, já que cheguei ao Terceiro passo: encontrei a parte que poderia excluir a conta e o fiz. O fiz inclusive, não sei antes sacanear meu primo uma última vez – esse texto é sério, não é sacanagem – com uma conta fake que eu tinha inventado e achava que em mãos corretas, como as dele, daria até certo, o Twiltton, personagem que criei, mas que foi morto rapidamente!
E daí, esse texto é um porre? Pode ser. Estou pensando em calar O Ventríloquo também. Na verdade, isso aqui é uma despedida para minha própria voz. Não é birra. É coerência. Gasto no mínimo, no mínimo, de 6 a 7 horas na frente do computador com Internet: lendo e-mail, pesquisando coisas úteis e fúteis, conversando, escrevendo, lendo artigos, traduzindo... É tempo demais, só isso aqui me custou uma hora, mais ou menos e vai sem releitura. Pois quando releio desisto de colocar aqui. E este é o meu grande problema, encarar esse tipo de escrita aqui como uma singela conversa que eu queria ter tido com alguém. Mas, é verdade, a mais pura verdade: para alguns, como eu, ter um blog é falar sozinho e eu ando me cansando disso. “O resto é silêncio”. Pois não quero me profissionalizar nessa área, taí algo que eu realmente não tenho vocação e até para escrever em blog: vocação é tudo!

sábado, 1 de maio de 2010

Pela ausência do silêncio...

Hoje acordei com uma sensação incrível de perceber que não entendo direito o que ronda em torna da mente alheia. Os anseios, as esperanças, a ideologia, a falsidade, o populismo, enfim, tudo que gira em torno do jogo político que é a vida.
Ao mesmo tempo, um silêncio invadia o apartamento, apenas meus dedos no teclado, apenas um som e outro de vassouras sendo passadas no chão. Os carros vagamente e espaçadamente passam pela avenida. Ouvir música é uma saída, no mínimo, decente para tirar um pouco a angústia. O violão, companheiro sensível e tolerante comigo, me possibilita pequenos dedilhados... “Estação Derradeira” é a canção que eu e Ana cantarolamos vagamente enquanto meus dedos percorrem o braço firme do instrumento. Desisto. Me pergunto como ele tolera minha inexpressiva capacidade de me fazer entendido. Há tempos, e já conversamos sobre isso aqui, tenho tido vergonha dele, de olhar para ele. Culpa do meu amigo Augusto por ter me emprestado o maravilhoso livro/DVD/CD “Violões do Brasil” – qualquer pessoa sensata, após ler esse livro, ouvir o CD e ver o DVD (não necessariamente nessa ordem) terá vergonha do seu violão ou ao menos da capacidade de não tratá-lo com o respeito devido.
Mas “circo vive é de ilusão...” e assim continuo o dia. Uns toques no Twitter. Umas leituras de jornais (eis a facilidade da internet) e resolvo ouvir o belíssimo e pouco comentado cd Moacyr Luz, primeiro disco desse compositor brilhante... A música de abertura, “O Mar no Maracanã” já me tira lágrimas do peito e vou seguindo a audição. Mas a conversa não é sobre isso, tampouco sobre música. A conversa que sonhei ter com você é pela ausência do silêncio. Silêncio este que perdurará, pois no fim das contas, principalmente aqui, nunca poderei realmente dizer tudo que quero. Um alto e sonoro “vai tomar no cu!” já viria de bom grado, mas nem isso me permito fazer. Tenho visto, observado os últimos acontecimentos num silêncio quase aterrorizante, arrebatador. Na verdade, até tenho falado demais. Procurarei me silenciar cada vez mais. Quanto menos palavras, melhor. No fim das contas, o silêncio é o melhor aliado. Aos alienados: apenas alienação.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

A dicção da vida

O maior problema não é ser, é estar. Por isso, quando digo que sou, não estou dando sentido ao que não pode ser. Ao que não existe. Pois existir, por si só, já é palavra que não entendo. Assim, sumo. Pois sumir é mais que verbo transitivo direto. É esquecer em lugar que não se tem lembrança e é assim que eu quero que fique: no esquecimento. Pois, vovozinhas somem. Pardais voam. Encontram casa. E o saquinho de São Cosme e Damião fica lá na lembrança das ruas do subúrbio. Assim, o morro que desceu será esquecido. A rua que transbordou será deletada da sua lembrança. Cada lágrima. Cada grito. Essa é a dicção da vida. A cadência do bumbo do peito ou do repique do tamborim. O ronco malandro da cuíca se mistura ontem com o cheiro de terra molhada por chuva de verão. Aqui e lá. Lembrar é um esforço necessário. Mas que inexiste, já que some. Então são feitas estátuas. Homens de bronze. Escrevem-se certidões de nascimento, óbito, casamento, documentos que se perdem com a água que desce da colina. Feito e desfeito. Tudo some, eis que o verbo é transitório. A cada lágrima e em cada grito, o maior problema não é ser, é bestificado ficar.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Entre o sono e a vigília



Todo dia quando me deito tenho conversas com alguém que não sei quem é. Nem onde está. Nem como é. Na verdade, fico ouvindo minha própria voz nos meus pensamentos. Me confundo com o barulho do vento. Às vezes, escrevo belos poemas, penso em belas canções. Tudo isso dentro do mundo que crio quando deito a cabeça em meu travesseiro. E essa pessoa está lá, conversando comigo. Tenho quase certeza de que essa pessoa sou eu. São essas coisas que antecedem meu sono. Mas não descanso. Fico me fazendo perguntas, questionamentos sem fim. Pertencer a um lugar é o mesmo que amar alguém?
Hoje não aguentei essa conversa no escuro e me indispus com o travesseiro, com a cama, a colcha fina e o vento. Me levantei e no mesmo escuro que é a antesala do sono, resolvi te encontrar, seja lá quem você é, seja lá onde você esteja ou como seja.
A sala escura reflete apenas a luz da tela do computador, que são meus olhos agora correndo com as palavras surgindo em preto sobre o branco.
Nada mais angustiante, penso eu, do que o papel e a caneta num combate infinito pela palavra. O papel se mantendo branco – puro – e a caneta lutando para preenchê-lo com sua marca, seu cheiro de tinta, percorrê-lo com sua minúscula esfera que, perfeitamente, não deixa essa mesma tinta se borrar. Mas não é assim no computador. É lavou está novo. Você mancha e limpa com uma facilidade tamanha.
O mesmo penso dos quartos de hotéis. Uma cama, uma armário velho e vazio, uma cadeira e mesinha. E sobre ela um copo. Talvez, o quarto mais medonho que eu tenha ficado tenha sido aquele em São Luis, no Maranhão. Somente eu e o quarto com aspectos velhos. Porém, não descreverei o quarto. O quarto ficou para trás nos meus pensamentos.
Uma angústia estranha vara o meu peito. Nem eu mesmo sei direito se é angústia ou saudade. Não do quarto.
A conversa vai acabando. Entre o sono e a vigília. A conversa vai acabando. Entre o sono e a vigília. Entre o sono e a vigília... Sono... Sono... Sono... Vigília! Sono... sono... sono... sono... VIGÍLIA!
Amanheço comigo mesmo e uma sucessão de çççççççççççççç e de iiiiiiiiiiiiiiiii e de sssssssssss e de ffffffffffff que não dizem nada. Ou, talvez, digam tudo – o sono foi mais forte que a vigília. E você, quem é? Ficou comigo o tempo todo ou adormeceu bem mais rápido que eu no primeiro parágrafo?
Nem sei.

domingo, 11 de abril de 2010

A voz do violão...

A chuva vai indo embora. Duas ruas que se cruzam nesse momento: Sergipe e Rio de Janeiro. Segundo meu pai, o tempo agora a noite melhorou um pouco por lá. Aqui, um vento frio entra pela janela do apartamento, a orquídea sem flores pousa tranquila sobre o mármore branco desbotado. Foram horas de água desabando no céu. Não deixa de ter um certo glamour e um certo desespero. As duas coisas se confundem, às vezes. É como quem ver o mar do alto de uma favela. No player um cd do Baden Powell gravado em Bruxelas em outubro de 1999. Duas ruas que se cruzam: A vontade e a verdade.
Longe, mas não tão longe, observo meu violão descansando ao lado do sofá. Uma flanela branca o protege. O protege do meu sonho, da minha vontade. No fundo, o que tenho é só a verdade. Desde cedo o olho envergonhado. Durante toda a minha vida, penso eu, olhei esse instrumento leve, simples e absurdo, com vergonha. A maturidade agora me envergonha mais ainda. Quem sabe, por um curto tempo da doçura que é a primeira juventude ter com ele sonhado mais do que eu poderia ou, pelo menos, fingido que o conhecia bem.
Ontem, nessa mesma cidade pacata que hoje vivo com minha esposa, uns livros, Lp’s e cd’s, uma flauta transversa e este tal violão, presente de um querido amigo, jantávamos com uma visita. Em suas mãos trouxe um livro belo sobre os violões do Brasil. Consigo, também, um vinho rosé português que ajudou a adocicar o Alentejo que eu comprara uns dias antes para sua visita.
O livro a que me refiro se chama, exatamente, Violões do Brasil junto o belíssimo DVD contendo testemunhos, comentários, aulas. Assisti-lo me trouxe o sentimento misturado de prazer e dor. Sentimentos que, como ruas, se confluem.
Hoje a tarde enquanto assistia o documentário, enviei uma mensagem para esse meu amigo que me emprestou as raridades: “Chego a estar com vergonha do meu instrumento...”. O sentimento que eu tinha em meio à dor, era isso, exatamente isso: vergonha. Me perguntava, por que não havia estudado um pouco mais o violão, ou mesmo a flauta?, por que levava tudo numa doce brincadeira de criança? E onde havia ficado aquela brincadeira toda? Onde me perdi no tempo?
Agora ouvindo o velho e bom Banden sinto uma dor danada nas mãos por não ter estudado um pouco mais um dedilhado aqui, outro ali. Não ter estudado essa harmonia... aquela outra.
Mas a gente vai vivendo. Pois no fim das contas, o que vale é viver. E todo sonho de criança, quando fechamos os olhos, tentem a renascer.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Lendo um texto. Lendo outro texto. Lendo mais um texto. Esse é o meu contexto!

sexta-feira, 2 de abril de 2010

O cemitério de Paquetá

Quero a sorte de uma morte branda
Não tão velho
Nem tão criança
Sem capa ou obituário em jornal
Não quero ser nome de rua
Estátua em praça pública
Pois no fim só importa o caixão
Nem velório eu quero
É ofuscante a todo defunto
Alguém que chora mais alto
Do que o corpo estático na mesa
No fim das contas
É terra, verme e terra
Talvez um culto
Uma zuela tocada num terreiro
Uma missa do galo
Samba o dia inteiro
Não interessa
Eis que a carne apodrece
O corpo incha
E o sangue estanca
Assim como as lágrimas
O sangue estanca
Se uma cigarra cantar
Já vou feliz
Nem tão velho
Não tão criança
E se der
Que me deixem o corpo
No cemitério de Paquetá.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Poesia velha

Entendi que o quanto
É o longe posso estar
É como ver o mar e não molhar os pés
Pois poesia nova
É um velho sentimento que a gente coloca no papel
E repreende a letra de forma torta
Para no futuro entender o que escreveu.
Entendi o quanto
Já passou o amarelo do papel
Que desgraça de pintura
Quem escolheu o azul do céu?

quinta-feira, 11 de março de 2010

Acesso livre aos cadeirantes!

Não, não gosto da novela das 8 e não acompanho. Também não sou nenhum porta estandarte de causa alguma, seja ela humanitária ou não – não sou hipócrita, penso no bem comum desde que o bem comum me inclua nele. Quando não me inclui tento me incluir e fazer minha parte. Por isso ontem fiquei muito estressado quando fui ao shopping comprar um liquidificador.
Por não ter carro, carrinho de rolimã, bicicleta, skate, ter medo de andar de taxi em Aracaju (pegue um e entenderá o que estou dizendo) e ser um dos muitos que engrossam as fileiras de críticas ao transporte público daqui, vou sempre à nave espacial de compras caminhando. E ontem não foi diferente. Porém, ah, porém!
A entrada que utilizo é um portão que fica próximo ao Habib’s, especificamente, do lado esquerdo, sentido quem vem da Marieta Leite. Se localizou? Não? Não interessa... Enfim, vamos ao fato, se um cadeirante (pessoa que utiliza cadeira de rodas para se locomover, seja lá qual for o motivo) for via Marieta Leite para o shopping, ele cruzará um sinal, atravessará a ponte, cruzará outro sinal e se tiver sorte conseguirá subir a calçada (se não for atropelado por algum motorista maluco que avance o sinal, como quase aconteceu comigo ontem) e entrará pelo portão a que me refiro. Ponto para o cadeirante, que também é um consumidor como eu, compra liquidificador como eu, vai ao cinema como eu e tem direito de ir e vir como eu. Porém, se fosse ontem, ele ia se deparar com um carro parado justamente na frente da rampa de acesso para o estacionamento! Deixa eu explicar melhor, se o cadeirante conseguisse vencer todos esses contratempos que eu venci para chegar naquele ponto ali, ele não conseguiria entrar no shopping, cruzar o estacionamento, pois um BABACA colocou o carro bem em frente a rampa! Aliás, se o carro não tivesse ali, o cadeirante também correria o risco de não chegar até a porta do shopping, pois poderia ter sido atropelado no estacionamento, já que a grande maioria dos motoristas acha que aquilo dali é pista de kart.
Enquanto eu, que não sou cadeirante, passava pelo portão e desviava do carro que estava na frente da rampa, avistei dois seguranças do shopping na porta de entrada e muito puto, disse o seguinte: “boa noite meu amigo, escuta, tem um Siena verde parado bem na frente da rampa de acesso para cadeirante, isso é um absurdo, para nós passarmos já foi difícil, imagina para alguém em uma cadeira de rodas?”. O segurança agradeceu e disse que já iria ver...
Já dentro do shopping, procurando um liquidificador que se adequasse ao gosto da minha esposa e do meu... ouço pelo sistema de som da nave de compras: “Senhor proprietário do Siena placa (alguma coisa que não lembro), favor se dirigir ao veículo pois se encontra estacionado irregularmente...”. Sorri feliz: fiz algo pelo bem comum.
Ah, sim, comprei um ótimo liquidificador.... e voltei a pé para casa!

segunda-feira, 8 de março de 2010

Após um dia...

Hoje postei no Twitter que o dia seria cheio – veja que não disse longo e sim cheio. E foi. E agradável por sinal. Tenho um tempinho agora para atualizar a prosa por aqui com você que me visita. Na verdade, minha ausência se explica, pois tenho escrito mais no tal Twitter. Enfim... Já coloquei as roupas no varal, um vinil toca na vitrola, um chá de maçã, cravo e canela esfria na xícara ao meu lado e vamos ao papo.
É curioso como ouvir o disco The Queen Is Dead em vinil me remete à infância... sobre ele escreverei em breve no Retropleco, porém, mais inusitado ainda é ouvi-lo aqui em Aracaju tomando chá! Chá meu amigo! Eu disse chá! Prática que iniciei em idos longínquos na maravilhosa Cavé, no Rio de Janeiro. Lembro-me de sair das aulas do mestrado e (depois do doutorado) e sentar-me, ora sozinho, ora com um amigo e papear até a noite cair. E dá-lhe chá, lá e aqui. Enquanto falo isso o suor escorre da testa, apesar, de um vento agradável entrar pela janela do meu escritório. Aliás, Aracaju tem uma peculiaridade que lhe dá um charme especial: a brisa. Um ventinho gostoso que bate quando você começa a ficar puto e pensar em pegar as coisas e ir embora. Aí vem a brisa e você pensa: “bom, se eu voltar para o Rio de Janeiro, estará um calor mortal onde eu morava e sem vento nenhum...”. Sossego.
Mas não vou falar da saudade do Rio, dos amigos, dos pais, do cheiro das árvores do meu quintal.
Hoje, após o café da manhã (com chá e torrada), fomos ao banco, eu e a esposa. Colocamos tênis de caminhada, bermudas e camisetas leves e partimos como andarilhos num céu azul e de sol amarelinho, amarelinho... Muito protetor solar no quengo e fomos nós por entre ruas e avenidas de Aracaju.
Uma das coisas que mais fazemos aqui é andar. Andamos nós dois sempre pensando, cada qual com seu pensamento. Algumas vezes eles se encontram. Sorrimos. Outras vezes são segredos que morrerão com cada um dos dois e seguimos. Pois caminhar faz bem a cabeça.
Nesse Dia Internacional da Mulher. Não fiz nada mais do que estar ao lado. Sorrir. Um amigo ligou perguntando se queríamos ir ao cinema. Estou atarefado preparando minhas aulas para a UFS e ela queria ir à academia malhar. E desceu ela e fiquei eu aqui. Chá adoçado com mel, The Smiths e uma pilha de texto para adicionar no meu plano de curso. Feliz Dia Internacional da Mulher...

sexta-feira, 5 de março de 2010

POemAS


Hoje eu acordei meio maiakóvskiniano
Não me digam eu te amo
Não me peçam favor
Quem sabe enfiarei uma bala no peito
A morte é um receio
Que me provoca calor

O
calafrio oco calorfrio



Hoje abrirei bala laica
Recitarei Balalaica
Da Cia For No
Ai, hoje acordei meio maiakóvskiniano
Talvez, o maior dano
Seja esse forte calor

segunda-feira, 1 de março de 2010

Acho que as pessoas tem medo da tristeza. Creio que é algo natural e normal. Temo é pelas pessoas não aceitarem a tristeza. Então, quando digo que estou triste é um alarde. “Mas por quê?” “O que houve?”. Aquele senso todo de proteção, vontade de ajudar, de te fazer sorrir. Perdão, às vezes não dá. Às vezes você realmente está para baixo e quer cair um pouco mais. Acha chato o céu azul. Daí, então, as pessoas também não percebem que você não quer preocupar ninguém, muito menos quer estragar o céu azul e a noite estrelada dos outros. Pois há esse equivoco entre tristeza e amargura. Amargura é você querer que todo mundo seja sombrio como você. Tristeza é tristeza e só. Lógico que é bom saber que outros se preocupam contigo, além da sua família. Mas nem toda tese de “preciso de atenção” ou “quero atenção” é verdadeira. Falo por mim, claro. Não quero paparicos, às vezes quero silêncio, vinho, livro e incenso. Não quero palavras de reconforto, às vezes quero música, sofá e cama. Está certo que o céu azul e o mar são convidativos. Mas chuva e céu cinza são aconchegantes. Está certo que o dia é vivo. Porém, a noite tem lá seus mistérios. Acho que sou um mau amigo, não? Mas eu sou assim. É piegas dizer, mas muitas vezes o silêncio fala mais do que as frases de efeito. Nem todo mundo é feliz. Mas tem gente que quer ficar triste um pouquinho, pois, às vezes, isso traz autoconhecimento que por sua vez traz a felicidade...


Ps. Para você que me escreveu, muito obrigado. Do fundo do coração, muito obrigado.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Um texto para ser lido: Sábado, madrugada. 27 de fevereiro de 2010. 03:34 AM

Você agora que está lendo este texto, saiba você que eu existo. Tenho minhas pretensões e sonhos. Alguns poucos amigos e muitos colegas. Admiro dois ou três artistas. Sempre fui fã do Michel Melamed. Quando criança queria ter um açougue. Acabei me tornando professor de História. Gosto de falar bobagens. E você que me lê agora, saiba que já é madrugada. Minha mulher dorme no quarto tranquila. O silêncio repousa em nosso apartamento alugado. Não sei quantos metros quadrados. Saiba você, que me lê agora, que este texto escrevi com as pontas dos dedos e mexendo meus lábios. Eu tenho nem sei quantos discos do Chico. Sou um jovem afetado pelo tempo. Prefiro Lp’s e vitrola à Cd’s e maquinarias que eu não entendo. Cultivo um sorriso sombrio, mas sempre que posso dou esmolas. Não falo mal dos outros, mas também não me contento em engolir o que sinto ou não sinto. Me relaciono bem com a família. Tenho saudade de um primo. Já não sei quem são meus amigos de outrora. Já fumei escondido. Já cabulei aula na escola. Já tentei suicídio. Já fui traído por duas namoradas, não sei se trair eu consigo. Sou vingativo, confesso – mas todos tem seu limite. Um dia mentiram para mim. Não sei se sou a favor da pena de morte, tampouco com o fim do trema. Procuro não entrar em contendas, mas se entro chego a perder quem se diz meu amigo. Estudei inglês na escola, não sei se dele preciso. Estudei francês e escrevi com ele poemas que agora já não estão mais comigo. Você agora que está lendo este texto, saiba você que eu existo. Aprendi espanhol num curso que tem como slogan “é assim que se fala”. Até hoje ninguém habla comigo. Sou brasileiro nato. Nascido. Saiba você que é madrugada. Minha mulher dorme um sono tranquilo. O silêncio repousa no meu escritório, ouço apenas pequenos ruídos: pássaros noturnos, o pingo do ar-condicionado do apartamento de cima, os carros na avenida em intervalos imprecisos. Sou brasileiro. Pago minhas contas em dia. Classe média. Tevê a cabo. Internet banda larga. Telefone com mil minutos de inter-urbano gratuito. Faço as compras do mês. Refaço no mês seguinte. Acordo sem um sorriso. Escova de dentes Oral-B a marca mais usada pelos dentistas. Bochecho Listerine. Cuspo só amanhã. Apesar de tudo não tenho sono. Tenho saudade daquelas manhãs. Tenho um pai. Tenho uma mãe. Eles tem um filho único. O silêncio repousa nos meus ouvidos. O MSN está aberto: o mundo é virtual em todos os sentidos. Quatro contatos on-line: Um ocupado e três ausentes. Não sei se há nisso um sentido. Acendo um incenso que ganhei de um amigo. Ouço portas se abrindo e fechando – são os vizinhos. Saiba você que está lendo este texto que o mundo não gira sozinho. Há uma força que agora me falha a memória: não sei explicar. Não lembro o nome da minha professora de Ciências da sétima série. Poderia listar nomes. Mas eu sei que você que está me lendo agora não tem motivos. Este texto sombrio ou... Márcia, Matemática. Rita, Português. Helayne, Geografia. Dona Elza, História. A professora de Inglês era novinha e gostosa, uma bunda durinha. Foi o ano que eu mais aprendi. Ela gostava de Guns N’ Roses e tinha paciência comigo. Fiquei traduzindo Patience todo um domingo. Não existia naquela época Vagalume ou Letras ponto mus. Um dia a encontrei no shopping: ela havia envelhecido. Eu também. Paola, Educação Física. Artes, Dona Neuza. Ficava sentada fumando. Temo em dizer que não era formada na disciplina, apesar de caro o colégio. Acho que tinha diploma de Matemática. Da sua matéria só lembro da brincadeira do compasso: “compasso de onde você veio...”. Gostava de criticar as meninas da minha sala que teimavam em encurtar as saias do uniforme. Sua filha engravidou num baile funk. Todos temos segredos. Fui eu quem colocou taxinha na cadeira do Sandro. Dei aula muitas anos depois para o seu irmão. Todos temos segredos. Me entristece lembrar que disse a alguém que não me lembro: eu não gosto de você. Ser sincero demais não é certo. Você que está lendo este texto. Saiba você: eu existo. Não sou mau. Eu era apenas um menino. Sou brasileiro. Casado em comunhão de bens que não tenho. Meu apartamento na Zona Sul é alugado. Não tenho filhos. Não estou drogado. Não sei se sou a favor da maconha ou do fim do Senado. Esse ano eu não voto: justificável. Não mudarei o meu título: ainda amo meu estado. Não sofri maus tratos quando pequeno. Nem tive infância sofrida. Também não fui mimado. Saiba você, que me lê agora, que este texto escrevi com as pontas dos dedos e mexendo meus lábios. O reli três vezes e pensei: é ou não publicável. Tenho uma carreira acadêmica. Título de mestrado. Daqui a poucos anos termino meu doutorado: o que me importa? Não junto dinheiro. Quem faz isso é minha mulher. Possuo currículo lattes. Matrícula Siape. Pagos os impostos e não devo ao Leão. Gosto de caminhadas longas. De sim ou de não. Não suporto mudanças. Tampouco talvez. Até hoje ninguém habla comigo. Je suis... não sei. Jesus, amém. Saiba você que leu este texto: eu existo. Não é pretexto. Você não chegou até esse ponto da linha. Não leu essa última frase na qual eu parei... pensei... pensei. E te agradeci.

Ps. Deixe seu comentário abaixo e feche a porta quando sair.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

O suicídio de Souza Paiol

Já é madrugada, mais uma madrugada
Pego o isqueiro e acendo um cigarro inexistente
Enxergo a fumaça esbranquiçada
Penso no ontem
Pois do amanhã nada sei
Fortuna é um bem que não quero
Um pássaro emite seu som em algum lugar do escuro
Poucos carros passam na Avenida Adélia Franco
Penso em me perguntar quem foi ela um dia
Em algum lugar do mundo eu estou
Sozinho
Se olho para o lado
Vejo Alain Delon caído
Um morto na capa de um Lp
Uma foto é uma representação quase precisa
Uma lata de Guaraná Jesus e um sorriso
I’ve got a feeling ecoa no meu ouvido bom
No meu bom ouvido
“Todo mundo teve um bom ano...”
Essa é a esperança - dúvido
É isso que diremos
É isso que esperamos
Mas eu dúvido
É isso que sonhamos
Mais uma canção dos Beatles
O sonho de mais uma canção
Aquela que não conhecemos
Pois se São Miguel tivesse mesmo matado o dragão
Se São Jorge pisasse na lua
Eu faria agora minha oração antes de dormir
Mais um avião desce no aeroporto Santa Maria
São Sebastião flechado me feche os olhos
Eu quero dormir
Já é madrugada, mais uma madrugada
Uma mesa sem porta retratos
Uma bela canção de amor
Já não passa um carro
O pássaro foi tragado pelo escuro
Todos os santos levaram o fluído do isqueiro
Souza Paiol se matou.
Bruno Alvaro
27 de fevereiro de 2010 - 01:28 AM

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Samambaia (Corpos num íntimo circular – Final)

Entende minha fadiga? Você compreende meu cansaço? O cigarro acabou e só tenho entre os dedos os palitos de fósforo. Na vitrola Samambaia. Maracutaia a sua dizer que eu não te liguei. Agora não há mais tempo e não me importa os teus questionamentos bobos – o espetáculo acabou. E é só.
Eu não sei como se formam os casais, tampouco se eles são reais ou fantasias de um universo abstrato, corpos num íntimo circular dentro de espaços apertados ou chãos umedecidos de suor, eu nãos. E mesmo que eu soubesse, não conseguiria descrevê-los para você agora. O cigarro realmente acabou e minhas pontas dos dedos queimadas evidenciam que a noite foi longa e sem luar, e sem estrelas, e sem vento. Dedos queimados, ausência de fumaça e luz. Uma desagradável vigília poética, como um corpo exprimido entre as estrofes perfeitas de um soneto.
Não importa os olhos úmidos – na verdade remelentos. Não importa o cheiro que vem da tua boca carnuda – na verdade um mau hálito eterno. Não importa o perfume e o calor do teu suor – na verdade um odor insuportável de sujeira. Eu vou só àquele lugar.
Sente-se comigo aqui, só um pouco. Abrirei mais uma garrafa de vinho escocês e brindaremos em copos de massa de tomate. Apreciaremos o que há de melhor na boa gastronomia suburbana: pedaços de moela ensopada e ovo rosa expostos na estufa de vidro. Peça um galeto ressecado, não tema, eu pago. Conclua sua frase, vamos, tome um gole de Dreher e verá que a vida será mais macia. Vamos, aprecie esse charuto.
Estou tonto. Dois Harvard acabaram comigo... A Avenida Atlântica, a Vieira Souto... Estou na Primeiro de Março. Estou na Sacadura Cabral. Rodo, perco, o rumo. Estou com as calças molhadas. Estou sem me ver... Acho que isso e fim.


Parte I do conto: http://oventriloquo.blogspot.com/2010/02/corpos-num-intimo-circular-parte-1.html

Parte II do conto: http://oventriloquo.blogspot.com/2010/02/por-amar-demais-corpos-num-intimo.html

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Hoje acordei meio cinza, tão cinza quanto o céu de Aracaju. Engraçado como a gente vai se adaptando a uma cidade. Um amigo meu sempre diz: “o ser humano é como pomba, se adapta a qualquer lugar...”. Começo a concordar com ele e começo a perceber que já consigo me camuflar nessa cidade. Tenho acordado cinza como ela e no decorrer do dia vou ficando azul. Se Aracaju fosse sempre assim, juro que chegaria ao ponto de amá-la e ter mais do que empatia. Mas, “empatia é o primeiro passo para o amor puro” – penso eu com meus botões desabotoados da camisa.
Fiquei de ir à Universidade, porém, um desconfortante problema fisiológico me deixou, madrugado, em casa – só acordo cedo quando necessário. Após o banho e à desculpa, devidamente compreendida, dada a um companheiro que iria comigo até lá, me deu uma baita vontade de conversar com alguém. E eu estou aqui. Então: “come together”!
Desde ontem estou com uma frase na cabeça: “Devia ser proibido debochar de quem se aventura em língua estrangeira”. Esta é a frase inicial de Budapeste, para muitos, o melhor romance escrito por Chico Buarque – confesso que fico dividido entre ele e Leite Derramado e, no fim das contas, voto sempre em Estorvo para não se ingrato com esses seus escritos mais “maduros”, porém, é outra história, outra conversa.
O motivo da frase ter renascido na memória, mesmo depois de tanto tempo da leitura desse livro é, no mínimo, babaca . Observo que muita gente coloca no Orkut frases em outros idiomas, inclusive eu: latim, inglês e agora há uma onda de francês. Me lembro que quando eu era garoto fui colocado num curso de língua estrangeira e pude optar pelo inglês ou espanhol – escolhi o segundo, pois achava quem estudava inglês meio chato. Passado esse tempo, já no fim da adolescência e início do curso universitário me matriculei num curso de francês, talvez, o único idioma que eu estudei com afinco e vontade. O engraçado é que eu não saia por aí escrevendo em página de relacionamentos (talvez, porque não existiam muitas como hoje) em língua estrangeira. Eu pensava, na época: “ora, por que escreverei e outra língua como estou me sentindo se praticamente ninguém entenderá o que escrevi?”. Está certo que hoje existe o maldito ou bendito, não sei, tradutor do Google. Um dia, fiquei curioso e fui ver como funcionava. Fiquei realmente impressionado, mas como todo tradutor há várias traições ali. Então, melhor não confiar muito. Voltando ao assunto.
Aí você começa a observar esse fenômeno interessante, não é? E fica se questionando, pelo menos eu fico, qual o motivo das pessoas fazerem isso? Será que estão estudando o idioma? Será que querem esconder o que sentem? Será que querem tirar onda? Será que são babacas mesmo? Agora recordei uma babaquice. Na época de universidade, eu tinha uns amigos que gostavam de utilizar expressões em inglês ou mesmo soltar umas frases na língua das ilhas. Aí, quem não sabia o idioma ficava com cara de... Babaca! Outro sinônimo de babaquice é nos obrigarem a falar as palavras certinhas, com a pronúncia correta. Me sinto desobrigado quando não sou um estudante do idioma e também quando não quero ser. Que babaquice! E vamos treinar o th... vamos lá: todo mundo pronunciando direitinho! E o cou? Pronuncia direitinho cou, hein?
Mas é admirável. Juro que é! Acho bonito o esforço de aprender uma língua estrangeira na solidão. Eu, confesso, não conseguiria, talvez, por ausência de força de vontade. Ainda prefiro os cursinhos, as aulas particulares ou a necessidade do dia a dia. Acho que, por isso e só por isso: “Devia ser proibido debochar de quem se aventura em língua estrangeira”, mas, poxa, Chico, é difícil não debochar, não é não? Aliás, perdão, às vezes, é legal ser babaca! Então, viva as babaquices que ainda temos coragem de fazer! Como os trocadilhos com cou! Salve, São House!

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Libertango

Suas mãos correm no bandoneón
Me liberto com os lábios molhados de vinho espanhol
Zonzo, circulo os dedos
Penso se existo
Suo, pois o calor nordestino me consome os poros
Suas mãos correm no bandoneón
Não compreendo bem a força daquele som
Sei que ele existe e que ele existiu
Meio zonzo deixo pistas para o adeus...

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A tristeza de um folião...

Cordão do Boitatá 2009 - Thiagão no fundo, eu no centro e palhaço desconhecido no braço - Foto da Preta


Acho que anda ficando evidente: tristeza. Muita coisa boa, sem dúvida. Mas a tristeza vem como vento, às vezes. Você se desvia, mas tudo te faz lembrar de um momento, de um período, de um segundo exato, quase que parado nas teias do tempo. Comovente, não?
“A memória é seletiva” sempre disse a Preta. Menos mal, para onde olho aqui, não lembro do carnaval que cresci vendo. Só ouço a palavra. É carnaval. Porém não é meu carnaval, nem pior ou melhor, apenas não é meu. Não posso listar nada que me incomode, não são muitas coisas nem poucas – não são listáveis. Apenas não estou onde queria estar, não suo como queria suar: paciência (coisa que não tenho).
Na TV, um documentário sobre um bloco tradicional do Rio de Janeiro: O Cacique de Ramos. De quebra ainda um destrinchar sobre outro que tem se tornado um dos melhores blocos para se perseguir com a família: O Cordão do Boitatá.
Com este último tenho uma relação muito íntima, quase religiosa, me aproprio aqui da tese de Aldir Blanc em letra que veste a belíssima melodia de Moacyr Luz, em Vitória da Ilusão se argumenta: “Carnaval, missa campal do povo brasileiro/ Onde a hóstia sagrada é o pandeiro/ Carnaval, celestial império do trambique/ Onde o crente idolatra o repique...”. E é mais ou menos isso mesmo. Difícil não dar nem que seja uma espiadinha nos desfiles, não acompanhar o Jorge Perlingeiro abrindo os envelopes, dando as notas... Você ali, sentado no chão da sala de estar com amigos depois de uma rabada de boi, depois de passar o final de semana inteiro correndo atrás de blocos de rua no Centro.
Como se cansar saindo atrás do cortejo do Boitatá, em pleno domingo, às 8:00 e continuar no seu baile aberto na Praça XV até às 16:00? E ainda pedir mais! Como se cansar? Comer milho cozido e salsichão o dia inteiro. Bebendo cerveja latão, tomando banho de água de gelo dos isopores... como se cansar? Meu camarada: “só se for agora...”. Mas não é...
As figuras lendárias do meu carnaval de rua: Kimon, o verdadeiro carnaval é ao seu lado. Thiagão e seu chapéu de camisinha da rádio Globo! Renatinha e Brunão, com os roteiros de blocos sempre guardados na bolsa... Esses dois só vejo nessa época mesmo. Pauli e Amoreco... Eu e Preta! Dá-lhe cerveja, dá-lhe barganha com os camelôs... “Só se for agora...”. Mas não é...
Como se cansar de ouvir Moyseis Marques (fantasiado de Moyses!)? Teresa Cristina e sua tradicional camisa de times! Pedro Miranda e sua peruca loira? Ali, cantando no palco do Cordão do Boitatá e a gente lá embaixo pulando no sol escaldante... Torcendo pr’algum camelô jogar pro alto gelo derretido... Dali puxar para Zona Sul, metrô lotado... Fantasia de tudo que é tipo... calor e você: sorrindo. E se me perguntam: “mas hoje você está melhor?” Eu respondo cantando: “Carnaval passional:/ Veias de serpentina,/ A alma de isopor e purpurina...”. Carnaval e carnaval e como diria o jovem Chico Buarque de Hollanda, lá pelos idos de 1966: “Era uma canção, um só cordão/ E uma vontade/ De tomar a mão de cada irmão pela cidade/ No carnaval, esperança/ Que gente longe viva na lembrança...”. E esses irmão, estão aqui, no coração e na lembrança! Bom Cordão do Boitatá para vocês galera!

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Por amar demais (Corpos num íntimo circular – parte 2)

Me surpreendi ao ver teus olhos úmidos. Não faz nem mesmo dois dias que eu lhe disse quando eu chegar te ligo. E eu não liguei.
No caminho encontrei João. Ele gosta de bar. Por fim, estávamos eu, João e alguns copos vazios na mesa de um bar de não me lembro onde. Mas não é por isso que não te liguei.
Eu, depois de João, reencontrei Doralice, uma amiga dos tempos de colégio – e como eram bons os tempos de colégio. Nos perguntamos como estavam fulano e sicrano. Com quem Maria havia se casado e porque Alberto se suicidou. Quando vi já passava das vinte. E dez foi o número de drinks que nós dois tomamos num bar distante daquele que eu e João nos sentávamos depois das aulas na universidade.
Não é nenhum tipo de sonho, pois dali continuei a mesma caminhada de sempre. Parei para comprar cigarros e percebi que tinha todos os bolsos vazios. Parei para comprar pois só me restava um rebento e o acendi e traguei como quem dá um suspiro longo antes da morte. Eu estava próximo à praia de Copacabana. As putas do calçadão poderiam ter pena de mim e, sei lá, quem sabe me cedessem dois ou três reais para a passagem de volta – pena elas não tiveram, pois esse é um sentimento para os fracos.
Àquela altura do campeonato eu já não queria ligar para o João ou Doralice, poderia pedir-lhes uns trocados ou, quem sabe, pegar de volta o que gastamos horas antes com bebidas e prosas inventadas. O eu não querer não quis dizer que não o fiz. João não atendeu a ligação a cobrar e de Doralice eu não lembrava o telefone...
Me lembrei que Fernanda me dizia que Copacabana é um grande quadrado de ruas... Peguei assim a Figueiredo Magalhães – pode procurar no mapa – e saí rápido da Avenida Atlântica, eu não tinha tempo disponível para continuar a caminhar ali e o mar me dava náuseas, ou talvez fosse o uísque barato? Assim, avistei a Barata Ribeiro e dali eu saberia sair...
Eu não te liguei por amor que tenho. Já bebi demais essa noite. Como disse, seu nome era João e seu nome era Doralice. Os dois juntos eram um homem, nem tão velho, nem tão jovem. Ele me contou histórias de um tempo de juventude. Um dezembro e uma mulher às vésperas de um grande encontro. Percorri com esse homem os botequins mais vagabundos, os inferninhos da Mauá, os bares mais tradicionais, os restaurantes mais chiques. Ele empunhava um charuto cubano e parecia exalar uísque caro, aquele que eu não posso beber. Falava gesticulando as mãos e tinha um sotaque carregado no x. Esse homem, eu não sei, brotou ao meu lado e eu nem vi. Quando percebi estávamos no Bar Luiz. Numa Igreja. No Amarelinho e o chope não acabava.
Eu não te liguei por amor e respeito que tenho por ti e por isso me surpreendi ao ver teus olhos úmidos quando eu disse que partiria e não voltaria mais. O homem falou que no Mato Grosso há empregos e terra de sobra para quem quiser ir. O morro me é um amor, o samba me é um alento. Mas subir todos os dias, confesso, eu já não agüento. Por isso não te liguei. Esse é o motivo de toda essa história. E eu procurei em todos os cantos um verso perfeito para te declamar, mas eu não conseguia. Antes do homem, peguei o bondinho e subi até Santa Teresa, enquanto o vento batia em meu corpo e meu corpo sobrevoava os arcos, senti vontade de pular como aquele rapaz próximo ao Circo Voador, porém, não tive coragem. Mas encontrei esse homem e ele me deu de graça esses versos de samba e eu não sei se é Ataulfo, Noel ou algum outro bamba, talvez, tenha sido o próprio porre que lhe deu uma banda, só sei que antes de partir sorrindo ele me disse quase cantando e me chamando de filho: “eu vivi o que pude e não me arrependo de nada, aproveitei enquanto pude toda bela madrugada...”. Me compreende agora a fadiga?

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Corpos num íntimo circular - parte 1

Não sei como se formam os casais, tampouco até onde vai o infinito. Para a paixão a vida corre em círculos e uma vida é pouco para o inexprimível. Assim foi o que eu vi ou pressenti num sonho breve, cuja lembrança, me contaram numa mesa, dessas em que se serve petiscos e boa cerveja. Assim foi e assim conto...
Com uma sutil ousadia lhe despiu a alma em noites brandas e com as pontas dos dedos desembaraçou-lhe os cabelos longos e pretos – estava por cima de si e era leve e fantasiosa a menina.
Naquele canto da cidade, lugar onde os sonhos não se movem, os corpos derramados e as marcas de lábios, como impressões digitais, na borda das taças de vinho branco italiano, entrecortaram o vento que entrava pela sacada. Ao longe o longo caminho de volta para o nada, tendo em seu peito tudo que mais desejava: desejo.
Um disco antigo rodando na vitrola – era 71 – e um poema de Gullar ilustrava seu momento: Poema. As coisas daquele canto: os corpos, as taças, o vinho... o chocolate já quase derretido. O cheiro forte do suor e a língua no ouvido. Isso tudo ouvi. Sentado apreciando meu cigarro.
Um homem maduro, não tão jovem, mas não idoso, sentado, apreciando seu uísque, bocejava tais encantos para mim: “éramos dois: eu e a menina”.
Confesso não saber ao certo o que ele me impôs. Não sei se a garrafa gelada de cerveja para mim, suando ao sol do Rio de Janeiro. Não sei se foram depois as línguas defumadas à milanesa e o chope no Bar Luiz. Só sei que calmamente me contava seu 1971 e as noites sentindo nos lençóis o cheiro da mulher que lhe matou o apetite e lhe abriu os olhos para o mundo. “Uma menina” dizia ele em meio as baforadas do cubano.
Pagou mais uma conta e caminhando percorremos a Carioca até a Avenida Passos e paramos na Igreja Nossa Senhora Lampadosa. Não satisfeito com sua reza e com a tarde caindo, a conversa foi dar no Amarelinho e ali ficamos entre chopes e a Cinelândia com as luzes dos postes velhos acendendo. A agitada Praça Floriano com pessoas indo e vindo... rarefazendo.
Ele lembrava seus corpos nus, juntos no antigo colchão da casa. Aquele canto onde os sonhos não se movem, mas nos obedecem. Já cauteloso do fim, sentindo o fim perto, o homem bateu em meus ombros, sorriu e bem direto me disse: “eu vivi o que pude e não me arrependo de nada, aproveitei enquanto pude toda bela madrugada...”. Pediu o chorinho e partiu. Pensei em letra de samba, em poema de boêmio. Vasculhei cada canto do meu cérebro na longa jornada para casa e em nenhum lugar encontrei, no fundo, um verso tão marcante que resumisse o fim da juventude.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Marcha pr’um tempo sem sol

“Pega o trem e vem...”
Eu vou rumo a Central
Procurar por um bem.
Desço a ladeira da Chalet
- Eu só ando a pé, eu só ando a pé.

Encontro o Tavim na esquina do Bigode
A gente desce a Ciência
A gente não dá mole.
O frio está de lascar
De casaco flanela
Só pra esquentar.

De Juscelino vem o trem
Vai parar em Mesquita
- Estação tão querida.
A chuva fina não atrapalha o percurso:
Em Edson Passos entra o povo do jogo
(Sueca se joga em pé).
Em Nilópolis o trem pára
Os camelôs dão no pé.
Até Olinda tudo down
Em Anchieta eles voltam
E volta tudo ao normal.

No trem você encontra o Biscoito Globo
Picolé do China
E salvação pro povo.
Tem o vagão do samba
Tem o vagão dos crentes
Tem o vagão do jogo.
Em Ricardo de Albuquerque
É bom ficar esperto
Se a porta abria na esquerda
Melhor não dar bobeira
Pois abre na direita.

Me lembro,
Eita tempo bom:
Indo rumo a Central
Com cigarrinho no bolso.

Deodoro pausa pra entrar a muvucada
O trem é direto
Só parará agora em Madureira.
A chuva fina alivia o povo
E então
Em Cascadura desce uma multidão.
Engenho de Dentro, mais baldeação
Quem quiser ir pro Méier tem que descer logo
Senão...
Só parará em São Cristóvão
E se não quiser ir à Quinta
É melhor ter boa vista!

Central – estação terminal
E agora meu primo
Pr’onde vamos então?

O rumo é a 7 de setembro
Vamos comprar uns discos
Eita tempo bom
Como eu me lembro!
Depois pra Arlequim
Dar umas olhadas nuns livros
Se a coisa apertar
Eu te digo:
- Real Gabinete ou IFCS?
Você responde já suado:
- No aperto eu nem ligo, o negócio é ter vaso!

“Pega o trem e vem...”
Eu vou rumo a Central
Procurar por um bem.
Desço a ladeira da Chalet
- Eu só ando a pé, eu só ando a pé.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

29 de janeiro

Estou buscando a expressão mais certeira para exprimir o que sinto
Não sei se uso metonímias
Pois sou aliteração
Lugar comum é o pleonasmo
Em conjugar o verbo sou nada sem teu amor
Como uma canção de amor
Ou um equilibrista obrigado a abandonar a corda
Por um copo a mais de bebida
Cachaça para aliviar a febre
Metáfora do dia a dia
Se equilibrando ao léu
O letreiro ilumina nosso leito de dormir
Vago sem sono numa madrugada áspera
Vago sem sono
Pois sou aliteração...

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Sancto Dito

De volta a Aracaju. Fim de festa. Início de outra. Juntamos uns amigos, fizemos uma salada bonita e uma costelinha suína e em pleno sábado fomos pintar nosso apartamento – apreensão!
Mas, uma força sobrenatural protegeu a todos nós naquele sábado quente, porém de vento fresco no décimo andar: Santo Dito. Para os eruditos em pintura, Sancto Dicto (na forma latinizada). O que segue agora é uma verdadeira hagiografia sobre esse personagem mitológico e que norteou nossas mãos no desbravar artístico que é pintar paredes, tetos e rodapés.
Dito entrou para os anais da História da Arte quando, na verdade, não se sabe quando exatamente, pintou em apenas uma hora, uma casa no Santa Lúcia (conjunto habitacional localizado no Bairro JK, na cidade de Aracaju). Diga-se, de passagem, que esse ser sobre-humano pintou uma casa em 60 minutos e ainda sentou para descansar.
Registros antigos provam que se Dito quisesse um céu ele pensaria em azul, se quisesse sol, pensaria em amarelo. Alguns outros relatam que Dito não pinta, ele pensa e a parede já é coberta pelas cores mais lindas! Salve Dito!
Foi assim: um sábado de aleluia!
Ainda sem internet, telefone e cadeiras para sentar – por pouco tempo! Mas as paredes (graças a áurea de Dito sobre todos nós): foram pintadas!

sábado, 16 de janeiro de 2010

Um domingo



Algumas coisas engraçadas da vida. Estava agora pouco no banheiro e me lembrei do último – ou penúltimo – poema que publiquei em uma antologia. Na verdade, há um imbróglio nisso tudo, o editor me pediu uma crônica, acho que já ficou visível que não sei escrever crônicas, fiquei, então, uma semana, mais ou menos, maturando sobre o que escrever. Então volto pro banheiro, melhor, para minha memória de agora pouco no banheiro. Vi uma barata, na época e agora. O que deveria nascer como crônica se inspirou numa barata.
Terminada a escrita, olhei bem e gostei do que havia colocado no papel, mesmo sabendo que “papel agüenta muita lorota”, como já disse Graciliano Ramos. Todo empolgado, sem medir tempo ou qualquer outro tipo de força maior, enviei para o editor, que tenho certeza, não pensou muito se era crônica, piada, poesia ou prosa, ou mesmo um rabisco qualquer. Entrou na antologia de crônica uma prosa poética, intitulada Livros, que satisfeito eu dedicara ao meu primo Gustavo Alvaro. Como crônica, era um desastre, mas como prosa poética, era bela as letras no papel.
Amanhã o moleque vem aqui almoçar comigo, o último almoço na casa dos meus pais. Pela manhã levarei minha esposa ao aeroporto para se despedir de uma irmã que veio ao nosso casamento e que mora na Bahia há alguns anos. Depois a deixarei na casa de uma prima e volto para almoçar em casa – domingo será dia de despedidas, para ela e para mim.
Enquanto relembro causos aqui, nesse último fim de semana no Rio de Janeiro, na casa de meus pais, com a presença dos meus amigos, com o som do samba, do violão e da flauta. Meu peito bate como um bumbo, caminho como que seguindo marchinhas de carnaval de rua. Ouço em silêncio o belíssimo cd Samba da Cidade, gravado em 2005, por Moacyr Luz, artista que me consolou todo tempo em Aracaju. Esse disco, um daqueles que você só empresta para grandes amigos, é recheado de preciosidades, canções lindas, eu listaria aqui várias que me tiram lágrimas dos olhos: Som de prata, parceria lindíssima do violonista com o poeta Paulo César Pinheiro, escrita em homenagem a Pixinguinha. Ou então, Vila Isabel, feita com Martinho da Vila, a fantástica Praça Mauá: Que mal há? com o craque Aldir Blanc, esse, sim, um dos grandes cronistas cariocas. Porém, uma em especial embala minha noite hoje, fim de chuva, o calor voltando, raios longínquos mas sem amedrontar, uma preguiça gostosa depois de uma boa feijoada em Padre Miguel, um gosto de caipirinha com cachaça mineira na boca, uma coisa que só eu sei. Uma música que me fala muito, que me embala esse fim de jornada. E que por ironia do destino se chama Tudo que vivi. Essa parceria fantástica entre Moacyr Luz e o grande Wilson das Neves me tirou lágrimas hoje. Mas curioso ainda é o verso: “no anel de ouro o meu santo forte”. São Jorge. Não sou católico. Mas é engraçada essa coisa desse santo, o santo guerreiro. Me lembro que foi estudando São Jorge que ingressei na vida acadêmica, sobre ele ou pelo menos inspirado em como a cavalaria na Idade Média se inspirava nele, que iniciei minha jornada e é assim tudo que vivi:

Quando dei por mim mudei de caminho
Encostei no fundo do coração e cantei sozinho
Fiz um tamborim com as minhas mãos
E a canção surgiu
Como nasce a luz numa escuridão
Minha inspiração.
Me lembrei de mim lendo a minha mão
E a melodia bordando contas do meu cordão
Tudo era destino
Tudo aconteceu
Pra dizer em verso o que minha vida já escreveu.
Com amor amei
Árvores plantei
De me emocionar sempre que aprendi
Nas vezes que errei
No anel de ouro o meu santo forte
E por isso eu digo pra Deus: Oh sorte que te encontrei!

(Moacyr Luz e Wilson das Neves)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Subúrbio, doce subúrbio

Subúrbio, doce é o subúrbio com suas ruas e casinhas de portas estreitas e quintais longos. Profundo é o samba e a batucada, as cabrochas e a velha guarda. Subúrbio da feijoada, caipirinha e cerveja gelada.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

A sobreviver

O céu treme e cortado por raios. Uma luminosidade linda. Há tempos eu não via isso. Há exatos oito meses eu não via isso. O calor infernal diminuiu um pouco, um vento mais fresco entra pela janela da sala.
Faz um tempo que não converso com você. Mas o silêncio não me doeu a alma. Estou escolhendo boas palavras para degustação, para uma boa prosa, regada ao som da minha própria voz.
Ainda meio exausto pela alegria, uma febre chata me assola, uma coriza me toma tempo e parágrafos, nem me tomo a escrever poesias de fichário. Mas amanhã tem bloco, sábado tem feijoada e caipirinha e mais bloco a noite – vou ver a preta rodar, seja por alto teor alcoólico ou por frescor de alma. Há tempos não converso com você, meu Rio de Janeiro. As lágrimas de São Sebastião escorrem pelas ladeiras – Angra desolada. Cascadura e Madureira inundadas, mas devo ter coragem, ainda hoje rumo para lá – o subúrbio me consola.
Ouço calmamente o primeiro disco do João Bosco. Fico navegando pelo site da Sebastiana. Não sei o que fazer. Também sei as coisas que me pesam nas costas. A tese, a vida e o sorriso. Segunda-feira, retorno a Aracaju: “eu estou remando rio acima por prazer... não a nada a desculpar, foi por querer”. Continuo com as músicas do disco do Bosco e assim vou seguindo ouvindo a chuva, os raios e os trovões.
Minha esposa foi ao shopping. Estou na casa dos meus pais. Estou em paz e sem nada para escrever pr’O Ventríloquo – paciência: “eu estou remando rio acima por prazer... não a nada a desculpar, foi por querer”.
Nessa ausência de inspiração toda, transcrevo, uma das músicas que está nesse primeiro disco de 1973, que na minha opinião é uma das melhores. Na verdade, esse disco, que tem o clássico “Bala com bala” tem várias outras pérolas!

Música: Nada a Desculpar
Autores: João Bosco & Aldir Blanc

Dentre as mentiras da vida
duas nos revelam mais:
- É um prazer conhecê-lo.
- Era muito bom rapaz.
Eu vou é sair de trás da mesa
espiar que é que tem ali de baixo.
Se eu for embora
vou deixar a luz acesa
e se voltar
não limpo os pés
no seu capacho.
Dizem que é fogo atingir
com o meu estilingue
as vidraças insensíveis
do Shopping Center Building.
Se você me perguntar
o que é que eu acho
mesmo que eu ache
eu já digo que não acho.
Enquanto brincam no gramado
as moças chiques
eu quero chuvas pra estragar o piquenique.
Eu não provei aquele tipo de xarope
que está por cima
nas pesquisas do IBOPE:
eu estou remando rio acima
por prazer,
não há nada a desculpar
foi por querer.
Me passe o sal
pra botar na sobremesa
o Grande Público
cansou minha beleza.

domingo, 3 de janeiro de 2010

O sistema

Nem sei que horas são, meu fuso horário anda confuso, nem o dia ou data sei direito. “A culpa é do sistema” penso eu.
Acordei cedo, melhor, fui acordado. Mas já era tarde. Meu café ou almoço – quem sabe? – foi croquete do português, meu pai quem comprou. Levantei-me nu. Durmo nu. Não como naquele livro do Veríssimo. Não é? Acho que sim, não tenho certeza, Só sei que não é do Jabor. E por falar em literatura, dei pra começar a ler “O Cheiro do Ralo” do Mutarelli, comecei sentado na latrina, curioso isso. Já acordei sabendo que o dia não seria bom. “A culpa é do sistema” agora eu sei. O livro não é meu. É da minha cunhada. Devolvo depois. Mesmo sem ela ter emprestado.
“A fama de poeta te persegue, não?” foi o que eu me disse enquanto coçava a bunda, indo tomar banho. Sento antes na latrina. Vou tomar banho. “O homem nu” é uma crônica do Fernando Sabino, é uma crônica num livro do Fernando Sabino chamado o “O homem nu”. Isso aqui também é uma crônica, “culpa do sistema” digo eu enquanto escrevo. “Queria escrever um conto”, me disse de manhã quando fui acordado.
Acordei antes de ser acordado assustado. Uma mão estava sobre o meu peito e ronronava, me deu um sorriso e me chamou de “meu fofo”! “Meu fofo é o caralho” eu gritei. Acordei. Acho que gritei de verdade, ao meu lado só um travesseiro. “Puta que pariu” eu me disse. “Tenho que perder a barriga” pensei de novo. Um homem que mora só tem o direito de mandar alguém tomar no cu. Semana que vem caso e não posso mais fazer isso.
Acordei com meu pai me ligando “tem croquete e tua mãe não vai fazer almoço. Tem croquete do portuga”. Sentei na latrina. “O Cheiro do Ralo”. O céu hoje deu trégua e estava azul. Vejo o céu da janela, sentado no vaso. Nem sei que horas são. A culpa é do sistema.
Novo ano, mais um mês. As mesmas contas. O sistema me disse mês passado que eu pedi algo que não pedi. Me disse de novo esse mês. Especificou data. Foi exatamente no dia quatro de novembro”. Me apareceram duas contas que eram para ser uma só. Como eu serei daqui uma semana. “Você acredita nessa coisa de ser uma só carne, como diz na Bíblia?” me questionei enquanto escovava os dentes. Aliás, ganhei uma Bíblia de presente de uma amiga. “Bíblia da Família”. Estou lendo o Livro de Jó. Ele é foda. Sofre, sofre, mas no final se dá bem. Mas eu não sou Jó. “No tempo de Jó não havia o sistema” digo eu agora na frente do laptop. Já li toda a Bíblia três vezes... e o Livro de Jó, a história de Jó nunca me saiu da cabeça. Não se pode falar o versículo do pó viemos e para o pó voltaremos para um drogado. Isso não é meu. Não é frase minha. Vi na TV Pirata... Anos bons aqueles. Mas o sistema fode tudo.
Como meus croquetes. Volto pra casinha. O dia inteiro deitado no desconfortável sofá cama. Aqui na casinha é assim, sala quarto, sofá cama, cozinha escritório. “É o charme das kitnetes”, penso eu. Meu quarto na casa de baixo, na casa dos meus pais, não é mais meu. Fico isolado na casinha. Pego o Mutarelli e me sento no quintal. Há uma jaqueira enorme quase dentro da casinha, dentro da varanda da casinha. Já leu “Estorvo” do Chico Buarque? É mais ou menos como fizeram com o fícus da história. Aliás, lendo o dicionário, hábito esquisito que mantive da adolescência, descobri que figo também significa “úlcera do ânus ou outro órgão pudendo”. Puta que pariu! Mas figo não tem nada haver com fícus. Que se foda. Pudendo por sua vez tem vários significados, entre eles “envergonhado, vergonhoso” – como esse texto. Ou “relativo ou pertencente aos órgãos genitais externos”, sendo assim, se não estou enganado, o dicionário encara o cu como órgão genital. O cu, por sua vez, nome chulo dado ao ânus (do latim anus), segundo o pai dos burros, é um “orifício na extremidade terminal do intestino, pelo qual se expelem os excrementos”, então não é um órgão genital. Mas todo mundo quer comer um cu, até mulher quer comer um cu e o sistema está comendo o meu. Por isso eu penso que todo homem e mulher que se preze tem o direito de mandar alguém tomar no cu. Que não seja o meu. Porém, o maldito sistema há dois meses come o meu, o que agora em janeiro me gerou um figo. Tudo é circular. A tese do Muterelli no “O Cheiro do Ralo” até que se comprova. O olho do cu!
Em novembro as duas contas que deveriam ser uma só, me renderam quase R$ 800,00 de rombo no orçamento. Paguei apenas centro e trinta e cinco. O olho do cu me tiraram. Parcelei o restante com a primeira para janeiro, pensei que tudo se normalizaria. O olho do cu. Mas hoje descubro que o mesmo sistema alega que eu disse ao sistema para suspender o sistema de conta única. O olho do cu que fiz isso! Sendo assim, em dezembro, o que pago agora em janeiro, o sistema gerou duas contas que deveriam novamente ser uma só. Uma no valor de R$ 356, 14, exatos. O olho do cu? Ainda não! E outra no valor de R$ 308, 45, exatos. Figo. Vai tomar no cu! Não o jogador português! Portugal tem bons vinhos, bons azeites e de lá é o pastelzinho de Belém, apesar de Belém ficar na Cisjordânia. Mas ninguém me ouve. Falo com a máquina. Ela pede para eu repetir, eu repito: “vai tomar no cu!”. Penso agora na frente do laptop: “vai tomar no cu!”. Dois banhos. Uma porrada de mariposa dentro da casinha. Meu celular piscando. Uma mensagem. “De nada” penso eu. Saí dando pazada feito louco. Quero as mariposas mortas. Filhas da puta! “Alô?”. “Oi? Vai tomar no cu!”. Que vontade de gritar. Mas a culpa é do sistema. Nervoso.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Poema nº 1

Teu corpo sobre o meu
Meu corpo sobre o teu:
Chocolates.
Tua pele – chocolate.
Vinho tinto – meu suor.
Levemente beijo teu mamilo.
Sonho ou liberdade
Teu cheiro nos lençóis da cama?
Me enrolo.
Rolo de um lado para o outro,
Procuro teu espaço,
O espaço que arrancaste do meu peito...
É o meu fim.
Ficas comigo essa noite?
Vá se embora de mim?
Estrelas,
Constelações.
Está constatado
O sonho.
Me apego à simetria dos teus lábios.
Me enrosco no gosto bom da tua língua.
Mergulho fundo entre as tuas pernas.
Ternas elas são, pois me acolhem o falo.
Falo obscenidades ao pé do teu ouvido,
Vejo que tu gostas:
Ouço teus gemidos.
Rimo conversas sujas que tivemos
Ainda jovens como o tempo.
Tu eras assim: silêncio.
Sorris brancamente com olhar ainda de menina
Mas teu corpo é de mulher.
Exausto
Olho o teto branco
E vejo pautas surgindo no escuro.
Escrevo ali meu poema,
No caderno do quarto.
Me demoro em cada verso,
Pois quero que tenhas meu melhor retrato.
Pois minha poesia é assim:
Meu retrato exposto,
Revelado.
Me perguntas no que penso
Te falo sempre a verdade:
Meu momento foi pensamento
Quando tu tocaste minha alma.
Me deixaste ao relento,
O calor sorveu meu sofrimento
E agora sou assim:
Escritor de teto.
Nas folhas brancas que são as paredes do quarto.
Nas pautas do caderno do quarto
Escrevo para o mundo com meu eterno silêncio
A palavra que exprime o melhor gozo guardado:
Cansaço.