sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O que faz uma canção de amor? (Em que lugar do tempo?)

Capa completa do disco Nursery Crime, 1971 - Arte de Paul Whitehead inspirado na canção The Musical Box


Onde você estava ontem? Escrevendo um poema? Compondo uma canção de amor? Colocando uma música na novela para embalar o casal de protagonistas e figurar no coração de casaizinhos de mãos dadas vendo o pôr do sol no Arpoador?
Há alguns anos, exatamente numa sexta-feira, num dia 11 de dezembro de 1998, eu não sei onde eu estava, eu não sei o que eu fazia. Acordei hoje com isso na cabeça: se eu pudesse voltar para que lugar do tempo eu iria? Hoje é dia 11 de dezembro e também é uma sexta-feira. Para que lugar do tempo eu iria? Que canção eu estaria ouvindo?
Quero uma canção de amor que me faça acreditar que os casais se sentarão para ver o pôr do sol. O que eu fazia ontem? O que você fazia ontem? Eu vi o pôr do sol da janela do meu apartamento em Aracaju e qual foi minha canção de amor? O que faz uma canção de amor, meu jovem?
Apenas uma canção de amor, dessas que a gente ouve e diz: “essa é a nossa música...”; “Acabou de tocar nossa canção...”; “Essa é a nossa canção para sempre...”. Quantas músicas vocês tem? Em que lugar no tempo estão as canções de amor? Melhor: o que caracteriza uma canção de amor? Isso é curioso.
Agora pouco, estava ouvindo o disco Nursery Crime do Genesis... é de 1971, eu nem sonhava nascer. Porém, acho fantástico como as sete canções desse trabalho me chamam atenção. Me despertam os sentidos. Cada uma delas. As letras ou fragmentos delas soltos são utilizados por mim, quase no cotidiano como que para ver o pôr do sol no Arpoador. Ou mesmo caminhar na pista Claudio Coutinho, apelidada carinhosamente pelos cariocas de “Caminho dos Bem-te-vis”.
Levantei cedo e coloquei o álbum para tocar. De cara The Musical Box abre o disco, inclusive, inspira a capa do álbum feita belissimamente pelo artista Paul Whitehead.
Letra forte, pesada. Durante todos os dez minutos e vinte nove segundos o que ouve-se são riffs de guitarra certeiros. Uma bateria massacrante do Phil Collins faz mais que marcar o ritmo. A voz rouca do Peter Gabriel, sua interpretação de cada verso. Aquele inglês inglês, entende? Os teclados do Tony Banks, enfim, não tem como definir.
Essa música se encerra com umas das estrofes mais surpreendentes da minha pobre audição anglo-saxão:

I've been waiting here for so long
And all this time that passed me by.
It doesn't seem to matter now.
You stand there with your fixed expression
Casting doubt on all I have to say.
Why don't you touch me, touch me?
Why don't you touch me, touch me?
Touch me now, now, now, now, now...


Traduzindo, ficaria uma coisa mais ou menos: “Estive esperando aqui há tanto tempo/ E todo este tempo me passou/ Nem parece que importa mais agora/ Você em pé aí com esta expressão fixa/ Duvidando em tudo que tenho a dizer/ Porque você não me toca, me toca?/ Porque você não me toca, me toca?/ Me toque agora, agora, agora, agora, agora...”. Aí é que está. A força da estrofe, a forma como Steve Hackett toca o riff final. Peter Gabriel gritando: Touch me now, now, now, now... Me dá uma angústia maravilhosa. Me dá vontade de correr e ver o pôr do sol.
Não vou contextualizar a letra, pois a parte que me cabe é essa que citei e quem faz as canções de amor somos nós. Ontem a recitei para mim mesmo, com voz rouca e pesada, quase como um mantra, palavra por palavra: “I've been waiting here for so long/ And all this time that passed me by./ It doesn't/ Seem to matter now./ You stand there with your fixed expression/ Casting doubt on all I have to say./ Why don't you touch me, touch me?/ Why don't you touch me, touch me?/ Touch me now, now, now, now, now...”.
Hoje fiz isso de novo e após recitar a letra, fui caminhar no Parque da Sementeira ouvindo o mesmo Nursery Crime de ontem e de amanhã e de 1971. Nas frases finais de The Musical Box, confesso, gritei: “Why don't you touch me, touch me?/ Why don't you touch me, touch me?/ Touch me now, now, now, now, now...”. Acho que as pessoas riram, acho que outras não entenderam... Mas eu precisava, eu precisava. Eu precisava ver um pôr do sol já de manhã.
Não há definição nessa vida para algumas coisas. A gente fala, fala. São apenas devaneios. Agora pouco, questionei um amigo, via MSN, quando chamado para ir a um show com ele na Rua da Cultura, na segunda-feira próxima: “O que faz a gente transformar um disco como Nursery Crime em trilha de amor? Será que estou triste? Será que estou tão deprimido que The Musical Box, falando sobre uma menina que mata um amiguinho, arrancando sua cabeça com um taco, pode se tornar uma canção de amor? E que amor é esse?”. Ele ria. De repente, analisei mais plenamente: “Rapaz, eu estou é muito feliz. Isso sim! Pois, fazer um disco como esse de trilha de amor, e o pior, entendendo as letras, tem consciência de que elas não falam de amor, e transpor isso para o meu amor... Eu estou é muito feliz. Aliás, somos nós que fazemos nossas trilhas de amor!”.
Alguém aí tem uma canção de amor melhor que a minha?

Um comentário:

G. Alvaro disse...

Conheço uma canção de amor muito bonita do reginaldo rossi. diz assim, em inglês, pra parecer com o genesis.

Waiter, here, in the table of this bar,
You're just tired of hearing thousands of love stories.

I want you to know that my true love is going to marry today. She sent me a letter, she wish to let me know.
It made my heart broke.

Como transformar isso (ainda em inglês) em canção de amor é que é foda. Genesis é moleza.

Sergipe!