quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Adeus anus velho

Ops! Não para de chover no Rio de Janeiro. Parece mentira. Não para de chover! Ontem foi a noite e a madrugada inteira de chuva, chuva, chuva. Bom para mim que não via chuva há tempos, mau para um monte de desabrigado e, até agora, dezoito mortos.
Aqui de casa, conseguimos ver o Campo do Gericinó, um espaço destinado aos treinamentos militares do Exército, é um descampado enorme, vermelho em tempos de sol e verdinho em tempos de fresca. Hoje está inundado. Juro, eu tenho um desses binóculos de longa distancia: alagado, um rio virou o espaço do Gericinó. Meu tio que é um ciclista nato e anda por toda Mesquita em dias normais e aumenta suas pedaladas em tempos festivos, me disse hoje cedo que a Chatuba, não a da Penha, mas a de Mesquita, está debaixo de lama. Tristeza. Deixemos as notícias de lado.
Lá se vai mais um ano. E como foi bom esse ano. Estabilidade. Novos amigos. Nova casa. Casamento. Enfim... Esse ano, eu, praticamente, aprendi todos os procedimentos de segurança, e em todas as empresas brasileiras conhecidas, para viajar por esse Brasil enorme. Ano que vem não será diferente, vejamos, Cárceres (Goiás), Cuiabá (Mato Grosso) e Buenos Aires (Argentina) são viagens certas para esse ventríloquo aqui. Fora os pulos no amado Rio de Janeiro. Já ia me esquecendo, Bahia também está na rota.
Daqui uns dias, O Ventríloquo completará mais um ano. Aprendi a ser feliz com minha tristeza mórbida, mas fiz uma promessa esse ano e cumprirei no ano que vem, com certeza. Vamos às curiosidades de ceia.
Peguei o carro hoje e saí com meu pai para comprar um desodorante para mim, papo gostoso, gosto muito de conversar com meu pai... Comemos uns bolinhos de aipim e uns pasteis de carne num barzinho tradicional aqui de Mesquita, depois fomos comprar a tradicional Malzibier da virada, na verdade, eu e Gustavo bebemos essa joça desde que nos conhecemos por gente, seja em virada ou virado. Mercados lotados! Na saída de um encontrei minha prima Keila. Minha prima Keila é linda e o tempo passa e continua linda. Ô preta linda, só perde para Ana, é claro. Acabei lembrando rapidamente das nossas muitas conversas, me lembro do seu casamento, aliás, também casou com um negão bonito. Casal bonito os dois. Tenho que colocar as fofocas em dia com ela.
Compradas as Malzibier’s no mercadinho, único local que não tinha fila, partimos, eu e o coroa, para a casa do Gustavo. Me surpreendi em perceber que minha tia já não faz mais rabanada: comprou pronta na Art Pão, famosa padaria aqui da Baixada. Putz, o tempo passa mesmo!
Desde que cheguei ao Rio emagreci, pode acreditar, eu emagreci. Na tevê, São Silvestre, na rua, fogos estourando. Mais tarde, parto com flauta para a casa do primo, vai rolar o bom e velho som dos bêbados!
É isso. De repente, mais um poema até anoitecer. Desde ontem estou inspirado... Salve, salve, amigos velhos. Salve, salve, amigos novos. Salve, salve, amigos futuros!

Poema último

Todos os poemas que escrevi
São obviedades tão próximas do obsceno
Que cada verso que escrevo
É na verdade algo que não fiz
São sentimentos alheios
Verborragias poéticas
Beijos no espelho ou no joelho
É uma infância perdida
Uma doçura diabética
Quando te conheci
Minha poesia ficou mais pura
Não sei se era primavera ou verão
Hoje é trinta e um
Viro da cama como vira o ano
Em frente à grande janela da cozinha
Um velho abacateiro
A chuva não para de cair
A perspectiva das coisas é estar aqui
Pensando em você.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

25 de dezembro de 2009

É bom que se saiba que eu estou aqui. E que vejo no natal minha agonia. É bom que se saiba que estou só. Mas que não sinto pena de mim e de ninguém.
E eu estou aqui, mais um natal. Natal que só existiu para mim quando criança. Quando ainda banguela, quando ainda existia O Vila em Realengo. Quando ainda era proibido para mim atravessar a estrada da Água Branca. Quando percorríamos a calçada até o mercado Rio ou até a Casa da Banha para comprar pão de rabanada. O colo da avó, as histórias do avô.
Não, eu não prezo mais pelo natal. Fico agoniado, estou sempre sozinho. Sempre acontece alguma coisa e eu fico só. Há anos a ceia é comida no almoço do dia 24. Há anos minha mãe dá plantão no hospital e agora que está em casa se recolhe para dormir. Meu pai adormece no sofá, logo a acompanha. Fico só. Alguns bons amigos ligam, os de sempre: Thiago, Kátia... Agora tem o Kiko. Atendo o telefone constrangido. Não gosto do natal. Como explicar isso. Músicas natalinas me perseguem até no laptop. Que inferno!
A televisão só passa filmes sobre Jesus. Desenhos sobre o natal. Ensaio um sorriso amarelo. Me recolho e visto a solidão habitual. A noite vai se seguindo, ainda é dia 24. Nas páginas de relacionamento, aquelas mensagens prontas. Todos parecem amar o natal – menos eu.
Vou dormir. Não ouço fogos. Sorrisos. Nada.
Me levanto tarde. É dia 25. Uma chuva fina cai na cidade. Está trovejando. Quantos meses não ouço um trovão? É natal. É o meu natal.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Bar Luiz

Ando com poucas palavras. Ontem fui com dois amigos ao Bar Luiz. Comemos (muito) e bebemos (muito mais ainda) e conversamos quase uma tarde inteira. O papo não foi mais longe, pois tinhamos uma missão: comprar meu terno de casamento. Aliás, vale um alerta camarada ouvinte, até o meu casamento, o assunto por aqui será, praticamente o mesmo: casamento! Então, se você não tem saco ou ouvidos para isso, melhor parar por aqui.
Depois dos quitutes, confesso que a língua de boi defumada à milanesa servida ali é coisa dos deuses, fomos nós "caçar" meu terno. Dá-lhe facada! Multiplica essa facada, sei lá, por cinco, coloca mais uma grana, foi o que eu paguei pelo meu terno! É aquilo: "você vai casar...", "o terno você aproveita...", esse tipo de coisa. Terno comprado, ajustes marcados, pego o caminho de casa.
Sabe qual é a melhor coisa de ficar fora do Rio de Janeiro um certo tempo (pelo menos tem sido para mim)? É nem se importar mais com engarrafamento. Engarrafamento na Presidente Vargas. Engarrafamento na Leopoldina. No Elevado. Na Avenida Brasil... engarrafamento até na calçada da Primeiro de Março. E você lá, meio alienígena, carioca longe de casa fica alienígena quando volta: sorrindo para tudo e para todos!
Nada te estressa. Bateram na traseira do carro: "a gente dá um jeito...".
Fila em porta de bar: "me dá um chope que vou bebendo em pé..." e a vida vai seguindo e o casamento vai chegando...
Terno comprado. É a vida que segue, uma pontinha até de saudade de Aracaju, uma pontada grande de vontade de voltar. Uma pressãozinha de ir morar em outro lugar. E a vida que segue com seu rumo certo e incerto.
Ps. Fico devendo uma foto... Mas a internet tá que tá hoje! Paciência!

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Pois quando a gente promete ser feliz...

Dentro das amenidades das coisas, eu me sinto bem. Agora pouco estava empolgado com um conto. Passei a noite inteira arquitetando cada palavra, cada frase. Cheguei a acordar Ana para falar da minha empolgação. Adormeci com a idéia na cabeça. Hoje quando ela foi trabalhar, fiquei em casa, traçando um esboço da história, trabalhando no conto. O telefone toca, recebo uma mensagem de Aracaju, me avisando que o céu estava cinza: “talvez chova”, dizia a mensagem. Felicitações pela proximidade do casamento, coisas que amigos fazem. Tenho amigos por lá.
A preta me liga: tomou café? Depositou o dinheiro no banco? Vai ao Centro? Marcus ligou? – coisas de mulher. Contei sobre a mensagem, ela sorriu: “Aracaju chora... até a cidade sente sua falta” e riu. Pode ser, penso eu. Estou empolgado com a volta, levar a preta aos lugares que caminhei. Inseri-la no núcleo de amigos, almoçar onde eu almoçava, sorrir com o que eu sorria. Se chatear com o que eu chateava. Nova vida. Vida nova. De volta ao começo.
Sexta-feira, quando cheguei ao Rio de Janeiro, a noitinha fui à praça com Ana. Papeávamos e eu contava sobre as pessoas que conheci por lá. Tracei cada um e a importância que tinham para mim e a que eu achava que tinha para eles. Talvez, seja até uma missão viver por lá. Mesmo com a angústia de querer ficar aqui. Pois eu queria ficar por aqui e fazer o que faço por lá, mas lá precisam mais de mim do que aqui: fato.
Na falta do que fazer por aqui, deletei o conto que eu escrevia, pensei: tenho tempo para escrever um melhor. E vamos seguindo. Coisa mais linda é ver o Rio de Janeiro mais uma vez. Coisa mais linda é poder voltar para cá e para lá: sempre haverá gente me esperando e me ensinando a ser FELIZ!

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Boa noite, boa sorte e até breve...

Daqui a algumas horas, pela milésima vez, pego um avião rumo ao Rio de Janeiro. Minha cidade natal. Tão querida. Com seus morros e avenidas. Iluminada. Me esperando com vento e chuva forte. Com o céu cinza que todo carioca despreza e odeia. Mas depois de oito meses longe dela, oito meses vendo um céu azul de doer a retina. Chuva e temporal até que me caem bem. Um pouco de cinza para mudar a tela da minha vida.
Não sei o que escrever. À frente, o desconhecido. Na mala, uma pimenta caseira. Poucas roupas e muitos sonhos. Vivo a sonhar. Com essa e outra vida. Com uma anterior ou vindoura. Vida. Sempre me despeço pensando no fim. Adoro voar. Lá em cima me sinto seguro.
Não tenho muito que escrever. Meus pais no aeroporto e a preta no . To chegando meu Rio de Janeiro. Gustavo, prepara o violão e a malzibier. Boa noite, boa sorte e até breve...

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Esta conversa já estava pronta há séculos, talvez, há meses, há anos, mas só agora pude arquitetá-la como queria. Só agora achei o tom certo. Só agora, faltando pouco para o altar, que achei que merecia filosofar sobre o assunto.


Tenho que ser rápido, hoje foi dia de artífice das palavras e ainda preciso concluir o que iniciei logo cedo. A vida voltou a se acertar, a maldita depressão está indo aos poucos embora como lama de enchente e eu voltei a trabalhar na tese. Nesse final de semana louco que tive, muita coisa boa me aconteceu. Poderia aqui listar horas e horas de momentos agradáveis que passei com os amigos que fiz aqui em Aracaju e como disse a preta em telefonema maravilhoso, aprendi a não me isolar mais quando o anjo negro da tristeza resolve me abraçar! E isso há de acontecer de novo. Por isso, antes de tudo, obrigado Aquino (Man), Emily, Neto, Hermano (Rabicó) e Aline (Pequeno Gafanhoto). Sem contar e sempre presente mesmo longe (estava em Maceió esse final de semana), o “anjo mais velho”, meu irmão Kiko (pois humor é coisa séria!).
Ligar para os meus pais também foi um alento tremendo. A prosa do meu pai, me reconfortou demais. E é sempre bom dizer “eu te amo” quando se quer dizer “eu te amo”. Por isso, você que está me ouvindo agora, diga “eu te amo” sem se sentir piegas! Pode dizer, vale a pena.
Enfim, como eu disse não vou me demorar muito. Vamos ao último chope em Aracaju. Pelo menos, o do ano de 2009.
Me pareceu hoje que estes mesmos nomes supracitados resolveram tirar folga de mim... Cada um estava fazendo algo. Ou ficou em casa por doença mesmo. Mas depois de trabalhar um dia inteiro num texto e não concluí-lo, resolvi relaxar um pouco, sair para caminhar, ou fazer o de sempre: prosear. Pois amanhã, será a mesma coisa! Convidei meu amigo de sempre: o gaucho!
Resolvemos andar. Acabamos parando no Shopping Jardins e pegamos a sessão das 21:55: “Herbert de perto”. Uma palavra sobre o documentário: fantástico! Vale a pena sentar na cadeira e acompanhar cada palavra e por que não? cada acorde de guitarra.
Dali, o habitual chope no Ferreiro. Nada pesado. Era papo apenas. Assunto mor: casamento. Este tema paira sobre minha cabeça nesses últimos dias. Um misto de ansiedade e angústia. Felicidade e apreensão. Como vai ser? Como será o vestido da preta? Vou chorar, vou sorrir? Pois é, para quem não acreditava: Bruno Alvaro vai se casar! Serei feliz? A farei feliz? Essas coisas passarão pela sua cabeça, meu jovem, hão de passar! Elas tem que passar
Segundo minha mãe, a idade está me deixando mais bonito, ou seria mais sereno? – acredito que isso é comentário de mãe. Dia desses quando fui ao Rio de Janeiro, uma tia reafirmou a frase – acredito que isso é comentário de tia. Mas estou começando a me sentir melhor mesmo com minha aparência, apesar da barriguinha me incomodar um pouco. Dei de observar, há certo tempo, diz Ana que já percebe isso há muitos carnavais no Cordão do Boitatá, que ando mais imponente – daqui a 30 anos, espero eu, direi que ando impotente! E não é segredo para ela que em alguns fins de semana, não todos, saio para beber meu chopinho, o que continuará acontecendo com ela aqui, é claro! E em sua companhia, é claro! Como sempre foi no Rio de Janeiro!
Bebo, no máximo, duas tulipas multiplicadas por cinco. Brincadeirinha. Meu companheiro de copo e de prosa, também é comprometido e um cara sério, sendo assim, é o par ideal para botecos e restaurantes, a preta então nunca reclamou. Criamos, eu e ele, um código, nunca sentar muito próximo de mesas com apenas duas mulheres desacompanhadas e caso isso aconteça, nunca olhar, mesmo que sejam bonitas, bom, só uma olhada vesga, pois não arranca pedaço, mas não pode deixar elas perceberem. E se elas olharem, pedimos a conta. Está certo, já sei o comentário, no mínimo, todas acharam que éramos um casal gay – fazer o que? A vida é um arco-íris meu caro amigo! E para se manter ileso do sexo feminino tem que fazer isso! Veja lá, não é segredo! Chega um momento que o cara tem que escolher e eu e esse amigo escolhemos, não um ao outro, claro! Sem piadas dúbias!
Hoje estávamos analisando essa vida de “solteiro” que não é solteiro. Contei, talvez, pela milésima vez como comecei a namorar com Ana. Na verdade, acho que todo mundo já sabe e se cansa de ouvir, só não reclamam os apaixonados, pois para quem está amando, até patinho no lago fica romântico. Pois bem, hoje, acordei com trechos do livro A insustentável leveza do ser, do Milan Kundera, na cabeça. Então, entre um texto em latim e outro em castelhano medieval, eu me pegava com trechos desse livro na cachola. Fui à estante e resolvi folheá-lo um pouco, deitado na rede, não antes sem encher uma taça de vinho italiano maravilhoso, na verdade, um restinho que tinha na garrafa, isso é outra história.
Revi a dedicatória da preta, acho que já reproduzi em algum lugar, então, deixa ser. Leio um pedaço aqui, leio outro ali. E me deparei com a seguinte passagem que, inclusive, tentei citar para esse meu amigo, enquanto estávamos falando sobre a escolha: ser solteiro, ser casado:

“Tomas dizia consigo mesmo: deitar-se com uma mulher e dormir com ela, eis duas paixões não apenas diferentes mas quase contraditórias. O amor não se manifesta pelo desejo de fazer amor (esse desejo se aplica a uma multidão inumerável de mulheres), mas pelo desejo do sono compartilhado (esse desejo diz respeito a uma só mulher).”

Deus do céu! Fantástico isso. Alguém mais quer explicações plausíveis para casar? Fecho aqui o papo de hoje. Tenho que trabalhar na madruga, hoje vejo o sol nascer!

domingo, 13 de dezembro de 2009

As lágrimas ardem

Embora eu já não saiba o meu paradeiro
Embora a vida me prenda com seu arreio
Me arrepio os pelos do braço
Quando abraço um beijo
Se mordes meus lábios insanos de desejo
Eu digo adeus a mim mesmo
Pois quando foste embora de mim
Embora eu soubesse que era o meu fim
Te trouxeste aqui comigo
Todos os dias da minha existência
Cada passo dado na eternidade
Eu te esperaria para outra vida
E se é carência ou saudade – eu não sei.
Pelo que me disse a lua
Sua voz não é muda
Sussurre mais uma vez tuas palavras de amor no meu ouvido
Que eu me curo.
Onde está você agora?
Eu me curo.
Eu chorei essa noite
Eu chorei essa tarde
Eu chorei esses dias
E as lágrimas ardem.
Quando olharei novamente teus lábios entreabertos
Bem leves
Enquanto leve te penetro a alma?
Embora a vida me prenda com seu arreio
Queria me desprender do mundo
E voar e no fundo
Voltar de onde tudo veio
Pois escolhi o céu
Para a minha centelha.
Embora eu saiba
Mas não admita
A vida não me odeia
E seu eu faço minha própria saída
Meu poema me rodeia
E com os versos na instante
Liberto minha alma
E sussurro como um alto falante.

Aracaju, 13 de dezembro de 2009 – 02:39 AM
Bruno Alvaro

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O que faz uma canção de amor? (Em que lugar do tempo?)

Capa completa do disco Nursery Crime, 1971 - Arte de Paul Whitehead inspirado na canção The Musical Box


Onde você estava ontem? Escrevendo um poema? Compondo uma canção de amor? Colocando uma música na novela para embalar o casal de protagonistas e figurar no coração de casaizinhos de mãos dadas vendo o pôr do sol no Arpoador?
Há alguns anos, exatamente numa sexta-feira, num dia 11 de dezembro de 1998, eu não sei onde eu estava, eu não sei o que eu fazia. Acordei hoje com isso na cabeça: se eu pudesse voltar para que lugar do tempo eu iria? Hoje é dia 11 de dezembro e também é uma sexta-feira. Para que lugar do tempo eu iria? Que canção eu estaria ouvindo?
Quero uma canção de amor que me faça acreditar que os casais se sentarão para ver o pôr do sol. O que eu fazia ontem? O que você fazia ontem? Eu vi o pôr do sol da janela do meu apartamento em Aracaju e qual foi minha canção de amor? O que faz uma canção de amor, meu jovem?
Apenas uma canção de amor, dessas que a gente ouve e diz: “essa é a nossa música...”; “Acabou de tocar nossa canção...”; “Essa é a nossa canção para sempre...”. Quantas músicas vocês tem? Em que lugar no tempo estão as canções de amor? Melhor: o que caracteriza uma canção de amor? Isso é curioso.
Agora pouco, estava ouvindo o disco Nursery Crime do Genesis... é de 1971, eu nem sonhava nascer. Porém, acho fantástico como as sete canções desse trabalho me chamam atenção. Me despertam os sentidos. Cada uma delas. As letras ou fragmentos delas soltos são utilizados por mim, quase no cotidiano como que para ver o pôr do sol no Arpoador. Ou mesmo caminhar na pista Claudio Coutinho, apelidada carinhosamente pelos cariocas de “Caminho dos Bem-te-vis”.
Levantei cedo e coloquei o álbum para tocar. De cara The Musical Box abre o disco, inclusive, inspira a capa do álbum feita belissimamente pelo artista Paul Whitehead.
Letra forte, pesada. Durante todos os dez minutos e vinte nove segundos o que ouve-se são riffs de guitarra certeiros. Uma bateria massacrante do Phil Collins faz mais que marcar o ritmo. A voz rouca do Peter Gabriel, sua interpretação de cada verso. Aquele inglês inglês, entende? Os teclados do Tony Banks, enfim, não tem como definir.
Essa música se encerra com umas das estrofes mais surpreendentes da minha pobre audição anglo-saxão:

I've been waiting here for so long
And all this time that passed me by.
It doesn't seem to matter now.
You stand there with your fixed expression
Casting doubt on all I have to say.
Why don't you touch me, touch me?
Why don't you touch me, touch me?
Touch me now, now, now, now, now...


Traduzindo, ficaria uma coisa mais ou menos: “Estive esperando aqui há tanto tempo/ E todo este tempo me passou/ Nem parece que importa mais agora/ Você em pé aí com esta expressão fixa/ Duvidando em tudo que tenho a dizer/ Porque você não me toca, me toca?/ Porque você não me toca, me toca?/ Me toque agora, agora, agora, agora, agora...”. Aí é que está. A força da estrofe, a forma como Steve Hackett toca o riff final. Peter Gabriel gritando: Touch me now, now, now, now... Me dá uma angústia maravilhosa. Me dá vontade de correr e ver o pôr do sol.
Não vou contextualizar a letra, pois a parte que me cabe é essa que citei e quem faz as canções de amor somos nós. Ontem a recitei para mim mesmo, com voz rouca e pesada, quase como um mantra, palavra por palavra: “I've been waiting here for so long/ And all this time that passed me by./ It doesn't/ Seem to matter now./ You stand there with your fixed expression/ Casting doubt on all I have to say./ Why don't you touch me, touch me?/ Why don't you touch me, touch me?/ Touch me now, now, now, now, now...”.
Hoje fiz isso de novo e após recitar a letra, fui caminhar no Parque da Sementeira ouvindo o mesmo Nursery Crime de ontem e de amanhã e de 1971. Nas frases finais de The Musical Box, confesso, gritei: “Why don't you touch me, touch me?/ Why don't you touch me, touch me?/ Touch me now, now, now, now, now...”. Acho que as pessoas riram, acho que outras não entenderam... Mas eu precisava, eu precisava. Eu precisava ver um pôr do sol já de manhã.
Não há definição nessa vida para algumas coisas. A gente fala, fala. São apenas devaneios. Agora pouco, questionei um amigo, via MSN, quando chamado para ir a um show com ele na Rua da Cultura, na segunda-feira próxima: “O que faz a gente transformar um disco como Nursery Crime em trilha de amor? Será que estou triste? Será que estou tão deprimido que The Musical Box, falando sobre uma menina que mata um amiguinho, arrancando sua cabeça com um taco, pode se tornar uma canção de amor? E que amor é esse?”. Ele ria. De repente, analisei mais plenamente: “Rapaz, eu estou é muito feliz. Isso sim! Pois, fazer um disco como esse de trilha de amor, e o pior, entendendo as letras, tem consciência de que elas não falam de amor, e transpor isso para o meu amor... Eu estou é muito feliz. Aliás, somos nós que fazemos nossas trilhas de amor!”.
Alguém aí tem uma canção de amor melhor que a minha?

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A força do não dito

Tudo de bom que não falo. Melhor o silêncio, pois guardo dentro de mim os chiados e a regras gramaticais das gírias sobre a mesa de bar. O não dito é o meu melhor, pois insuportável é a dor de dizer aquilo que há descontrole nas palavras – eu sou um descontrolado palavriante. Você ouviu? Você o viu? Você ou viu? Você: o viu!
Uma avalanche de letras, palavrinhas soltas, sílabas, vogais. Abafadas, abertas, sem sentido: a e i o u. O caderno de caligrafia que eu nunca soube usar. Letras redondas, dizia a tia Janaína e eu cansado de tentar.
Estou meio tonto. Carrego dentro de mim um violão. As cordas afinando-se automaticamente em cada acorde dissonante. A caixa, o peito. O braço, minhas mãos. Traste. Trastes.
Digam o que quiserem: o silêncio nem sempre é a solidão. E aquilo que não foi dito é porque não há de ser um não.
Ps. Ao som do disco Spectral Mornings de Steve Hackett.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Doce andarilho...

Estou no Rio de Janeiro, é sexta-feira, dia 27 de novembro. Está quente, muito quente, meus cabelos já estão pedindo corte e agora, mais que nunca, pedem urgentemente para serem podados. Gotículas penduram-se em suas pontas cacheadas – a preta sorri.
Piso no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Largo de São Francisco de Paula, sem número, um prédio histórico, imponente. Quando o avisto me pergunto quantos churrasquinhos de gato da Sônia comi ali me banhando de latão de cerveja com os amigos no final das aulas? Quantas canecas de vinho e bolinhos de bacalhau foram por nós degustados nos finais de laboratório? Incontáveis conversas: futuro, passado, presente? Passado. Volto o pensamento para o presente e vou direto encontrar minha orientadora, temos que conversar: planos de capítulo, vida em Aracaju, notícias sobre minha atuação na Universidade Federal de Sergipe, minha tese de doutorado. A tarde ainda estava quente. Eu havia chegado no dia anterior, ainda me adaptava ao calor carioca – ao meu calor carioca.
Apresento meu trabalho, recebo as críticas, comentários, ponto final. Mais um papo com a orientadora. Já não estou mais lá. Estou agora sentado no tradicional Amarelinho da Cinelândia, confesso que já foi melhor, mas deixo o caso para lá. É sexta-feira. No IFCS, encontramos com Kimon Speciale (ou ele que veio ao nosso encontro).

Kimon é um daqueles amigos que você não consegue recusar um convite para beber. A preta não bebe ou pelo menos não bebe muito como nós. Os dois porres, contados por mim, que ela tomou foram quando saímos para beber com ele – a primeira vez foi no Araponga, nosso escritório na época das aulas de mestrado, se me lembro bem, foi um engradado de cerveja e passos trocados até o ponto de ônibus (se beber, não dirija!). Dá-lhe chope, e como era bem tirado, meu Deus, como era bem tirado, disso não posso reclamar! Posso sentir a primeira golada, o corpo esfriando aos poucos... “Mais dois, desce três, quatro...”. Saldo final, 43, 48? 50 tulipas? Nem sei mais! O importante é que matei uma vontade enorme. Colocamos os três o papo em dia. Sua namorada não estava, se estivesse, dupliquemos um pouco esses números com certeza! Juliana bebe bem também, me lembro, uma vez em Porto Alegre, confesso, a menina me barra. Às minhas costas o Teatro Municipal. A tarde dando aos pouquinhos espaço à noite. E o chope descendo gelado.

Outra incursão, outro relembrar de caminhada pelo Centro do Rio, bem mais tardia que essa minha rápida visita de trabalho... Acho que não contei essa. Mas vale.
Há uma aconchegante livraria, na Rua do Ouvidor, chamada Folha Seca... Para mim, um dos melhores atendimentos da cidade junto com o pessoal da Arlequim. Mas, enfim, numa noite fresca, caminhávamos eu e a preta e comentei que gostava de Maiakóvski, foi quando entramos nela e fui presenteado com um exemplar de Poemas, traduzido pelos irmãos Campos e Boris Schnaiderman. Belo. Inesquecível!
Ontem, quinta-feira, dia 03 de dezembro, entrei novamente na Folha Seca, só. Presenciei um bate-papo entre dois cariocas, um comprador e o dono, creio que é o dono da livraria, gente boa, por sinal, bom de papo também, mesmo que não seja o dono, é gente boa, isso é fato consumado. Os dois discutiam sobre os Nogueira, o João e o Diogo. Peguei a conversa meio que quase no fim, pensei em entrar, até ensaiei. Desisti. Queria apenas ficar ouvindo nosso sotaque, como me é caro nosso sotaque carioca! Me lembro que a resolução foi: o filho não é melhor que o pai. “O negócio dele é futebol, joga muito bem o garoto...” disse o comprador e foi embora, encerrando a contenda sambista. Eu procurava um livro de partituras do Gonzaguinha, publicado pela Irmãos Vitale... Não encontrei, o dono me pareceu mais triste que eu. Mais uma vez, ensaiei um papo, mas lembrei que a preta me esperaria no Centro Cultural Banco do Brasil, logo ali perto. A chuva caiu fina e refrescante. O tempo mudava no Rio de Janeiro. Quando abri a porta da livraria para sair, me virei e perguntei: “esse é o filho ou o pai?”. Ele sorriu e respondeu: “O pai...”. Lá dentro ficou o homem e o cd do João Nogueira tocando.
Na porta do CCBB, vi uma cena linda... Longe, eu via o sol se pondo, lá no fim da Avenida Presidente Vargas, ou pelo menos, no que eu conseguia ver entre a Igreja da Candelária e os altos prédios, ao lado oposto, o mar e um arco-íris bonito. Fiquei triste por estar sem minha máquina fotográfica. Eu estava no Rio de Janeiro. Os carros passando. O vai e vem das pessoas. Os chiados. Fotografei com o olhar. Só eu sei.
Era dia de livraria. Fomos parar na Arlequim. Café, livros, música boa. Tomei um ótimo cálice de vinho do Porto. Encontrei o cd do Wilson das Neves que eu tanto procurava. Comprei.

Hoje, o tempo virou de vez. Quase perdi o avião. A Linha Vermelha, a Avenida Brasil, acho que todo e qualquer acesso ao Centro do Rio de Janeiro, ao subúrbio, ao bendito Galeão, estava congestionado, foi aquele dia que o Rio parou.
Ao longe a Igreja da Penha, linda, imponente. Só, lá no alto. Só, como eu agora aqui em meu escritório. No meu apartamento em Aracaju. Ao longe ficou o Rio de Janeiro. Uma semana que passou como um dia. É esquisito chegar à sua cidade a trabalho, correndo, tendo que resolver coisas importantes e não curtir realmente as ruas, as noites, os dias. Um suspirar que se foi rápido e novamente a rotina. Acho que a frase da belíssima Só Dói Quando Rio, de Moacyr Luz e Aldir Blanc, resume bem o que eu senti quando pisei no Galeão: “só fico a vontade na minha cidade...”.


Mas isso passa. São reticências de um “doce andarilho”, como diria minha querida amiga Tatiane Reis. Como disse, agora pouco, ao meu primo Gustavo Alvaro, sempre que volto do Rio de Janeiro e piso em Aracaju, preciso de uns dias para me dar conta que não estou mais ali. Ao poucos, vivo novamente o ritmo daqui, a vida daqui e me apaixono novamente. Pois o que vale no fim é apaixonar-se por onde se mora. Mas amar, só amo um lugar. Agora vazio como um copo de chope na mesa de bar. Mas logo, logo, me encho de novo!