sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Copacabana e as lembranças das putas da Mauá

Curioso a memória. Seja o cheiro de cera no taco, o ruído do vinil tocando Gonzaguinha ou meus pés no chão. Tudo é memória. Seja um beijo no cais das barcas, na Praça XV. Seja a saudade de Ana. Tudo é memória.
Sou de conversa – por isso O Ventríloquo – e conversa boa não se olha os dentes, não é mesmo?
Um dos tons mais singulares, uma das vozes mais singulares que ouvi na minha breve vida, que não há de ser breve, foi a das putas da Praça Mauá, no Rio de Janeiro. Não, nunca utilizei os serviços carinhosos. Sim, tive oportunidades. Na verdade, meu contato com elas era no meu inicio de dia e no fim da suas rotinas.
Já cursando a Universidade de História, inventei de servir à Marinha do Brasil e lá ia eu todo dia para o Primeiro Distrito Naval, mal ou bem, tempos bons. Ótimos amigos, ótimas histórias! Um ano de pausa nos estudos sobre Annales e História Medieval, um ano de estudos sobre a vida e o mundo na prática diária de se deparar com múltiplas culturas e gente de todo o Brasil.
Tinha o hábito de tomar café numa boate-lanchonete-restaurante-ponto de putas na Mauá (tentei resumir tudo que se fazia ali naquele ambiente). Era suco de laranja mais Copacabana (pão francês, ovo estrelado, presunto e queijo prato) e dá-lhe conversa. Dá-lhe papo. Agradáveis eram aquelas putas, umas jovens, outras velhas.
Conheciam o mundo inteiro sem sair dali. Cada navio atracado no Cais das Docas era uma viagem feita por elas. Umas eram poliglotas. Outras felizes. Muitas tristes.
Ouvia histórias confusas, desilusões amorosas, violência gratuita. Eram 30 minutos diários em que eu ficava ali, comendo meu Copacabana, bebendo meu suco e observando e ouvindo e, por que não?, aprendendo sobre a vida nua e crua da noite do centro carioca.
Anos depois, no carnaval de 2007, já mestrando, iniciando meu namoro com minha Ana, fomos os dois ao “Escravos da Mauá”, bloco tradicional que se concentra no Largo da Prainha, nos arredores da Mauá, e como eu disse, a memória é uma coisa que é tudo. Enquanto eu estava lá, bebendo minha cerveja, beijando minha menina, eis que vejo Dona Samanta, não sei se aposentada-pensionista, ou ainda em atividade. Ela me viu e eu a vi. Um aceno de cabeça, um breve sorriso. Definitivamente, aquilo era um adeus.

Um comentário:

Anderson Mileib disse...

Gostei do texto. Ler as lembranças alheias sempre me faz relembrar daquilo que nunca me esqueci. Ah, e agradeço pelos comentários, as vezes não tenho tempo de responder, as vezes é preguiça mesmo.