segunda-feira, 31 de agosto de 2009

E o samba? Vai bem, obrigado!

Na última semana é inevitável não concordar que minha voz andou um tanto grave, medonha até. Isso andou preocupando os mais próximos.
Volta e meia me recordo da primeira vez que vi uma partitura na minha vida, a complexidade não me afastou, na verdade, foi a beleza de cada sinal, a forma como tudo se organizava que me apaixonou. Contudo, não sou um amante das partituras, creio que são um instrumento necessário ao músico, assim como as cifras, mas não creio que sejam essenciais às canções ou à forma de lançá-las no tempo.
O que quero dizer são duas coisas: a vida, a minha, a sua, a de todos nós, assim como numa partitura tem seus momentos altos e graves. Essa semana, tive meus graves, pois agudo demais também atrapalha. E a outra coisa é: o samba se concretiza no mistério – pense nisso. Meio solto aqui? Você entenderá!
Nessas notas graves da semana, percebi mais uma vez como se isolar não ajuda em nada, volto assim a minha tese sobre sermos todos “gente” – um dia explico o conceito de “ser gente”. Pois, confesso que se não fosse por algumas pessoas, hoje eu ainda estaria cantando grave, em clave de fá. Voltemos a de sol!
Por exemplo, nessa mesma semana grave a melodia também tocou bela. Sentei num pé sujo com alunos e travei uma agradável conversa sobre História, sobre a vida, sobre sonhos. Alunos agradáveis, divertidos e, assim como eu, críticos.
Fui jantar na casa de um professor amigo de departamento e lá conheci gente boa, dei grandes risadas, até cozinhei... Surpreendentemente, não falamos de trabalho, problemas departamentais, apenas de coisas corriqueiras da vida: saudade, casamento, amor, música e poesia.
Ontem, um grande amigo esteve aqui em casa e, talvez, seja ele o maior amigo que eu tenha aqui em Sergipe, segundo Ana: "seu anjo da guarda".
Carioca como eu, professor da UFS como eu, sabe das mazelas de estar longe da terra natal – veja bem, “terra natal”, pois aqui já é o nosso lar. Doce lar, sem dúvidas.
Como bom carioca, não veio de mãos abanando, trouxe cerveja e sobremesa e eu fiquei encarregado do almoço. Tarde incrível, ouvimos Spyro Gyra, vimos programas de humor, demos boas gargalhadas...
Um resfriado me pegou, pegou forte... talvez, graças aos graves da semana. E eu poderia estar na merda agora, bom, não estou! Rapaz, não é que estou até me sentindo feliz!
Volto, sem ter ido ainda, ao samba, pois, repito, ele se concretiza no mistério... Estou sem violão aqui em Aracaju, mas não estou sem flauta, então... Meu caro Gustavo, a melodia chegará no fim de semana para você harmonizar, a letra do samba eu registro aqui:

“E o samba...”

Ando querendo que o mundo saiba do meu samba triste em mi menor
Descrevendo os passos de alguém que no fundo não sabe ser bem melhor
Com o bumbo batendo no ritmo descompassado do peito
Vou chorando, sorrindo, sentindo o efeito
De estar só
De estar só
Por isso, eu grito para alguém ouvir
Eu canto para não sentir
Um eu menor
Ai que dó.
O sol também sempre brilha aqui
E brilha como brilha lá
De bar em bar tem mar
Mas olha só,
Eu sinto que ando em marcha-ré
Com essa tristeza que não me larga o pé
Eu vou tentar mudar
Pro tom maior
Eu vou tentar mudar
Para melhor
E o samba...


Aracaju, 31 de agosto de 2009 – 11:47 AM
Copyright © by Bruno Alvaro (Editora Retropleco)


Ps. A voz de hoje vai em homenagem ao grande Kimon Speciale, aniversariante do dia e que beberá todas no Rio de Janeiro, ao Thiago Porto, meu irmão da Tijuca que aniversaria amanhã e a todos vocês que me fazem lembrar do mistério do samba e buscá-lo sempre em tom maior!

domingo, 30 de agosto de 2009

Poema Óxido

A solidão é como ferrugem, vai corroendo
Corroendo
Ando correndo dela – e nada.
Me corrói todo: os ossos, a pele da cara.
Corro, mas vai doendo
Corro mais, mas vai doendo
Dor em dor me consumindo.
Nunca pensei que o Rio me faria tanta falta
Pois se aqui estou cercado de gente
Sinto ferrugem na alma.
Quero o morro sem calma
A roupa pendurada no varal do abacateiro
Favela iluminada sem tiroteio
Pois só sendo carioca para perceber a falta
Que é atravessar a ponte Rio-Niterói e ver tal pintura alta.
Tateio meu peito angustiado
Rio dos ecos que produz minha presença no vazio da sala.
Me tento a ser de ferro
Mas mais e mais vou enferrujando como um velho vestido da Dona Isaura.
Quero o x bem forte no sanduíche
Quero ouvir samba no Trapiche
- Ai, que coisa boa: samba de roda no Trapiche da Gamboa!
Quero afrouxar o coração apertado
Ir a Tijuca visitar o Thiago
Quero ver o dia surgindo aos poucos
Anunciando o dia que para nós sim é o santo:
Pois não há sábado melhor que ver o céu se abrindo para a lua
No Abracadabra, sentando com as mesas na rua.
Preciso comer salame em casa com o Gustavo
Ele ao violão e eu na flauta.
Preciso do som da voz do meu pai
As conversas longas com a minha mãe.
Quero o caminhar com Ana nas ruas estreitas do Rio
Sorrindo feito menino.
Cortar a Linha Vermelha ou a Avenida Brasil – a mais pura coragem!
Ir à Praia Vermelha com meus pais no domingo
Ouvir os passarinhos da Pista Claudio Coutinho.
Fugir de flanelinha
Ver filme no Odeon com pipoquinha
Quero comer churros de verdade
Aí sim, que a ferrugem nunca mais me maltrate
Pois vai doendo
E em dor em dor: vou vivendo.
Pois andar cantarolando Chico Buarque
Pelas calçadas com olhares incógnitos e assustados
Não rarefaz minha saudade
E saudade é prima irmã da solidão
Enquanto vou correndo da ferrugem
A saudade me encontra no colchão.

Aracaju, 30 de agosto de 2009 – 04:20 AM
Bruno Alvaro

sábado, 29 de agosto de 2009

Sonho...

Cordão do Boi Tolo na escadaria da Alerj - Foto: Bruno Alvaro - 2008

Queria cantar uma canção agora. Uma canção em tom maior. Com pandeiro, tamborim. Uma canção que eu sentisse o bumbo vindo como a batida do meu coração. Queria fechar meus olhos enquanto canto tal canção. Queria sentir o calor pelo meu corpo e a garganta gelando com uma boa lata de cerveja. Abrir os meus olhos e ver pessoas fantasiadas, sorrindo, casais se fazendo sem pensar no amanhã. Gente de máscara, crianças de super-heróis, adultos crianças...
Queria cantar essa canção com os olhos bem fechados. Barganhar dois latões de Skol por cinco reais. Queria comer um salsichão com farofa. Milho verde com manteiga. Tomar Ice de origem duvidosa. Abrir meus olhos e ver a escadaria da ALERJ tomada. O Paço Imperial cheio de gente. Queria beijar a boca da preta, levantar seus braços e fazê-la rodar. Girar a saia florida. Queria jogar serpentina, sorrir com os amigos, esquecer do amanhã. Pegar o metrô lotado rumo a Copacabana e acabar parando em Ipanema. Me banhar no mar no fim da tarde com a mesma bermuda da manhã de domingo.
Queria cantar essa canção arranjada por metais. Voltar para o Centro e subir Santa Teresa com o bloco na rua. Parar no Curvelo e barganhar mais cerveja. Catar as moedas no bolso, procurar caixa rápido e rapar as últimas notas da poupança. Descer de bondinho, parar no Amarelinho e comer manjubinha frita com chope.
Uma canção em tom maior. Não sentir cansaço nem o tempo passar. Queria me refrescar buscando sombra nos Arcos da Lapa esperando algum bloco me chamar. Queria rir dos ousados, criticar os recatados. Caminhar sem rumo e sem preocupação de carros tomando a Rio Branco. Sem hora para a casa – a casa é nossa rua.
Queria seguir o Bola Preta, Mais que merda é essa?, Cordão do Boitatá, Escravos da Mauá... Eu queria agora uma canção em tom maior e ver a preta girar, girar... girar. Tomado de calor, envolto de suor, eu cantaria “carnaval, desengano/ deixei a dor em casa me esperando...”. Apenas sonho. Apenas um sonho de carnaval.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Sentar no portão ou ecos de solidão

Somos feitos de muitas vozes, o som é surpreendentemente um dos nossos primeiros contatos com a vida, pois no seio materno é ele que nos comunica com o externo. Por isso, precisamos falar, conversar, gritar, cantar, emitir sons, imitar sons, produzir sonoridades diversas. Como pássaros, assoviar melodias, como flauta, fazer do sopro uma canção.
Isso é um grito. Cada pensamento aqui, ora solto, ora amarrado, é um grito, é uma conversa comigo mesmo e com os poucos que passam por aqui – nunca houve necessidade de outras pessoas passarem por aqui. Mas preciso de gente, pois sou gente.
Atualmente ando gente sozinho. Sou, praticamente, no meu dia a dia, também um ventríloquo. Agora pouco, me lembrei de me sentar no portão na época de menino no Rio de Janeiro. Tempo em que andava descalço pelo quintal, jogava bola na rua com os pés desnudos – tempos outros.
Conversas magníficas travei no portão de casa. Com amigos idos, uns mortos pela violência carioca, outros ainda no mesmo morro no qual me criei e saí para vida. Muitos não entendem minha relação com o mundo – minha relação é essa: era descer e subir diariamente, depois de um dia de estudo e depois trabalho, uma colina mediana e mais quarenta e três degraus de uma escada que me traz saudades – enfim estava em casa. Era essa minha relação com o mundo que vivia aos meus pés. O mundo que sempre vi lá de cima do morro da Chalé – referência que as pessoas de baixo faziam à Rua Chalet, onde morei toda minha vida e que se inicia plana e transforma-se em ladeira.
Hoje subo dez andares de elevador. Brinco ainda morar no morro e por querer sentir isso converso – ou tento conversar – com todos. Dos vizinhos se ganho um bom dia é muito, no elevador é aquele sentimento vazio de mesmo com três, quatro pessoas naquele cubículo quadrado e apertado, estar só. Não por isso, não só por isso, prefiro os funcionários do prédio. Mesmo que a hierarquia social do mundo os afaste de mim, tento buscá-los para perto. Talvez, o rapaz que recolhe todo santo dia o lixo de cada apartamento do edifício que eu moro não entenda isso em mim. Mas o seu “boa tarde” com o sorriso aberto é muitas vezes o momento mais alegre do meu fim de manhã e inicio de tarde. Ao seu “boa tarde”, respondo sorrindo “como você está meu camarada? Tudo beleza?”. E assim é com os porteiros do condomínio, com o trocador de ônibus, com a caixa do supermercado... com meu reflexo no espelho: “Tudo bem meu amigo? Tudo bem com você hoje, meu camarada?”. Pois a todos, trato de "amigo", mesmo não sendo eles, ainda, meus amigos. Mesmo que não sejam nunca meus amigos.
Isso é um grito. Meu grito para a solidão. Pois amanhã acordarei só. Amanhã, almoçarei só. E a gente vai se acostumando a não sentar mais no portão. A gente vai se acostumando na vida com os ecos da solidão.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Almoço e jantar

Já nem sei mais com que sonhar
Confundo os espaços vazios de minha casa
Com os ecos mortos de minha voz.
Sou minha própria companhia
No almoço e no jantar.
À tardinha o sol ilumina a cozinha
Um amarelo avermelhado como eu nunca vi,
Deixo assim
Todas as janelas abertas para a visita do vento
E converso comigo mesmo
Com os ecos mortos da minha voz.
Arrumo a cama e disponho os travesseiros de maneira tal
Que eu pense que sua cabeça adormecerá ali
Mas não:
Já nem sei com que sonhar.
Quando acordo meus olhos estão bem mais vermelhos
Que com sono
Escrevo cartas para mim
Brigo comigo mesmo
Por deixar a louça suja
Sou minha própria companhia
Em cada canto desse lugar
Eu sou um azulejo
A falta do sofá
A mesa de centro que não tenho
Mais um almoço e um jantar.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Copacabana e as lembranças das putas da Mauá

Curioso a memória. Seja o cheiro de cera no taco, o ruído do vinil tocando Gonzaguinha ou meus pés no chão. Tudo é memória. Seja um beijo no cais das barcas, na Praça XV. Seja a saudade de Ana. Tudo é memória.
Sou de conversa – por isso O Ventríloquo – e conversa boa não se olha os dentes, não é mesmo?
Um dos tons mais singulares, uma das vozes mais singulares que ouvi na minha breve vida, que não há de ser breve, foi a das putas da Praça Mauá, no Rio de Janeiro. Não, nunca utilizei os serviços carinhosos. Sim, tive oportunidades. Na verdade, meu contato com elas era no meu inicio de dia e no fim da suas rotinas.
Já cursando a Universidade de História, inventei de servir à Marinha do Brasil e lá ia eu todo dia para o Primeiro Distrito Naval, mal ou bem, tempos bons. Ótimos amigos, ótimas histórias! Um ano de pausa nos estudos sobre Annales e História Medieval, um ano de estudos sobre a vida e o mundo na prática diária de se deparar com múltiplas culturas e gente de todo o Brasil.
Tinha o hábito de tomar café numa boate-lanchonete-restaurante-ponto de putas na Mauá (tentei resumir tudo que se fazia ali naquele ambiente). Era suco de laranja mais Copacabana (pão francês, ovo estrelado, presunto e queijo prato) e dá-lhe conversa. Dá-lhe papo. Agradáveis eram aquelas putas, umas jovens, outras velhas.
Conheciam o mundo inteiro sem sair dali. Cada navio atracado no Cais das Docas era uma viagem feita por elas. Umas eram poliglotas. Outras felizes. Muitas tristes.
Ouvia histórias confusas, desilusões amorosas, violência gratuita. Eram 30 minutos diários em que eu ficava ali, comendo meu Copacabana, bebendo meu suco e observando e ouvindo e, por que não?, aprendendo sobre a vida nua e crua da noite do centro carioca.
Anos depois, no carnaval de 2007, já mestrando, iniciando meu namoro com minha Ana, fomos os dois ao “Escravos da Mauá”, bloco tradicional que se concentra no Largo da Prainha, nos arredores da Mauá, e como eu disse, a memória é uma coisa que é tudo. Enquanto eu estava lá, bebendo minha cerveja, beijando minha menina, eis que vejo Dona Samanta, não sei se aposentada-pensionista, ou ainda em atividade. Ela me viu e eu a vi. Um aceno de cabeça, um breve sorriso. Definitivamente, aquilo era um adeus.

domingo, 9 de agosto de 2009

Um domingo

Estou pensando muito em você. Qualquer vento que me bate no rosto, ou mesmo a luz do sol, me fazem – todos e tudo – lembrar de você e do tempo em que eu ainda cabia nas tuas costas.
Pois vi crianças nos ombros e quis estar em teu ombro, vendo de cima o mundo que vejo de cima agora. Meus olhos não se entristeceram.
Para você, uma tarde, num distante passado, escrevi um poema. Suas marcas ainda estão na parede aí da casa que é minha, mas que não vivo mais. Apenas um verso do poema eu guardo e meus olhos não se entristecem em lembrá-lo: “ouvir tuas chaves na estante”.
Gosto do eco das chaves ainda hoje, e quando entro em meu apartamento procuro madeira ou algo sonoro onde eu possa colocar minhas chaves e te ouvir. Pois nunca pensei que um segundo domingo me fosse tão penoso como será de agora em diante. Mas meus olhos não se entristeceram.
O dia acordou azul, com vento leve e crianças nas ruas. A orla bem cheia, o shopping lotado e bolsas e bolsas de sorrisos. Meus olhos não se entristeceram. Sei que não gostaria de me ver triste assim.
Havia feira-livre na pracinha perto do meu prédio, fui olhar e sentir os cheiros das frutas. Me lembrei da nossa volta para casa e meus excessos de dor barriga, o caldo de cana e as árvores de Mesquita.
Estou pensando muito em você e nela e nela. Penso no que significa agora estar só e o tempo que aproveitamos juntos. Mas meus olhos não se entristeceram.
Talvez agora, à noitinha, quando me dou conta que queria te abraçar, abraçar a todos vocês é que percebo que meus olhos estão cheios de lágrimas... No primeiro dia dos pais longe de você.

domingo, 2 de agosto de 2009

Reflexões musicais sobre a felicidade: Loki – Arnaldo Baptista

Alguns temas são ecos aqui n’O Ventríloquo. Acabo de me perguntar se isso é consciente ou não para mim. Acho que é parte da minha partitura de vida. Notas agudas e baixas se tornam um misto, um “tom mix”, nada muito definido, uma coisa de adolescente aprendendo a tocar seu primeiro instrumento – isso é o afinar-se à vida e eu estou a cada dia nesse processo. O que espero é exatamente isso, que minha partitura tenha sempre um Ritornello e que nunca haja um Fine.
Isso, às vezes, é doloroso, outras não, pois nessa série harmônica você sempre terá a oportunidade de se deparar com uma Fermata e o bom é que com ela a duração do tempo – seja da dor ou da alegria – você é quem decide.
Se eu fosse fazer um balanço sobre tudo o que já cantei por aqui, cada voz que imitei, cada som que emiti, teríamos vários Staccatos: contos, poesias, reflexões, crônicas. Tudo isso girando em torno de eixos como: amor, saudade, vida, família, etc.
A felicidade (para mim o mesmo que alegria) ou a ausência dela, figura como um dos andamentos que mais me atraem como Ventríloquo que sou.
Um verso de música sempre retorna à minha mente: “cantar nunca foi só de alegria, com tempo ruim todo mundo também dá bom dia”. Sempre fui uma pessoa mais de tristeza que de alegria. Mais de lua que de sol. Mas as pessoas mudam. Todos mudam.
Ontem fui caminhando até o Shopping Jardins e me encontrei com meu amigo humorista – ele é humorista, eu não. Sou mais a poesia rasgada, o papel de pão. Não que eu não ache poesia no humor, mas assim como os versos são dons, as piadas são dádivas. Decidimos assistir ao documentário Loki – Arnaldo Baptista. Boa pedida, eram 23:55 de um sábado normal em Aracaju, aliás os sábados são sempre normais aqui em Aracaju.
Não resenharei o documentário, não falo aqui para sergipanos, era a única sessão, não haverá outras, se acaso algum me ouvir por aqui, perdão, se você não estava lá, foi como uma estrela cadente ou um pôr-do-sol perdido, não verá mais. Cariocas e paulistas – parabéns. Hoje percebo o que eu tinha no Rio de Janeiro em termos de cena Cult e me alegro por ter aproveitado isso ao lado da minha preta, noites e tardes caminhando pelo centro da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro! Aqui contamos nos dedos os cults. Não é só estilo, é postura de vida, os caras realmente nadam contra a maré e, parafraseando Marcelo Camelo, apontam pra fé e remam.
Não tinha a minha preta ontem, mais tinha meu amigo humorista. O curioso dos humoristas é que eles têm uma sensibilidade diferente de nós poetas. São olhos alegres mesmo que com lágrimas.
Lacrimejei por conta da história do artista Arnaldo Baptista. Me arrepiei com suas palavras. Com a trajetória de alguém que hoje se mostra feliz depois de tudo que passou. Ele entrou e ele saiu. Foram escolhas e no fim das contas ele escolheu ser feliz.
Um dia, um dia tardio de minha partitura, escolhi o Allegro, quando, na verdade, o Andante seria o mais sensato. As pessoas, às vezes, confundem esses dois andamentos. O primeiro, na partitura da vida, nem sempre é sinônimo de alegria, felicidade, ele pode ser destruição. É um tempo rápido e nas coisas rápidas, nos sons e falas rápidas você não degusta cada nota, cada ponto de aumento, cada Fermata. O Andante tem sua beleza, sua finura. Arnaldo Baptista foi aonde, talvez, poucos chegaram e conseguiu voltar ao Dal Segno. Arnaldo Baptista, o eterno Mutante, o cabeça do grupo, autor da maravilhosa Balada do Louco ao lado daquela que lhe proporcionou o andamento macabro, ele pode dizer fui além do Presto, fui ao Prestíssimo... e voltei!
Claro, ele não voltou cem por cento, mas quem é cem por cento? Nessa vida em que cantamos, a cada dia, uma nova canção, quem é cem por cento? O poeta? O humorista? O Fisiologista? O Medievalista? O Alquimista? Quem?!
Quando saí da sessão não podia ir para casa, queria ver essa partitura notívaga, queria ter nas mãos as notas daquela madrugada. E vimos as putas ou parte delas. Os travecos, os marginalizados. Idênticos em todo lugar. São quase simbologias andantes: as putas, os travestis, os bêbados e nós os músicos das palavras ou fingidores de sons. Vimos os poucos – ou quase nenhum – bares abertos aqui de Aracaju. Vimos casais, amigos e a lua. O vento era frio. A madrugada silenciosa. Talvez, os dois ali perceberam o que já sabem na prática: a felicidade é parte da partitura de cada um de nós. É uma peça que deve ser tocada livre, uma peça que só permite improviso, é contra ensaios. A felicidade é o título de um rock progressivo. Não sei se Gênesis ou Rush. Não sei nem se Os Mutantes. A questão é: em que andamento você tocará essa canção?
Como eu disse, um dia toquei minha felicidade em Allegro, não ousaria dizer que um dia estive pelo menos em Presto, esse andamento já é para os gênios. O Prestíssimo é para os mitos. O Allegro é um andamento para nós, pessoas comuns.
A comparação que me permito fazer, já me achando abusado demais, com o mito Baptista, é que também tive meu Dal Segno. Minha menina dos olhos, a menina que tem o brilho nos olhos, que quando pisa em Aracaju para me ver ilumina todo o Aeroporto, tornando desnecessário qualquer tipo de iluminação. Ela ainda está em ritornello mas logo, logo tocará comigo nossa partitura de vida.
Hoje estou em andamento Andante, às vezes, Moderato, mas não quero mais saber de Allegro. Loki – Analdo Baptista, apenas me reafirmou isso. Apenas deu cabo a um compasso que precisava chegar ao fim. E assim como o verso citado de Gonzaguinha, tenho certeza disso e isso me conforta, zumbirá outros dias em meus ouvidos – isso tem que acontecer e acontecerá, são os ritornellos da partitura –, com ele mesmo vou diminuindo a intensidade do som de hoje. Mas com outro extremo, pois sou “Pessoa” e todos nós somos pessoas e devemos ser e ter pessoas e eu quero ser “Pessoa”, eu quero exatamente isso, ser:

“Pessoa”

Seja sempre o sorriso de uma pequena criança em mim
Seja sempre o seu brilho de vida em meus olhos até o fim
Quando o som quebramar dessas ondas um dia vier me embalar
Com o tempo em que calmas as tardes recebem seu negro lençol
E, até lá, através dessas noites de estrelas no céu
Seja eu como sou mesmo quando se faz um temporal
Uma luz referência pr’aquele que não teme a dor
Um cantar esperança, uma chama repleta de amor
Um veleiro que sabe o destino na palma da mão
A firmeza dos passos cravado no pó desse chão
Consciente de ser tudo o quanto sonhei
Demais
Uma pessoa
Um coração


Ps. Palavras (letra e música de Gonzaguinha) gravada no disco Luis Gonzaga Jr. de 1973 e Pessoa (letra e música de Gonzaguinha) gravada no disco Recado de 1978.

sábado, 1 de agosto de 2009

O Jornal de ontem

- Hoje, ao ir comprar pão e jornal, achei divertido ver que meu horóscopo era meu e o teu também era teu: “Havia ligação e positividade, pois se não houvesse, cá entre nós, para mim resumiria a criação de um logotipo falso para nós dois”. Você não acha? Eu ouvi isso na FM, na entrevista daquele artista intelectual não sei lá das quantas. Ele estava falando sobre signo lingüístico, achei bonito e resolvi aderir essa moda de signo também. É engraçado, né, mulher? Ser inteligente não é tão difícil assim, eles falam e até eu entendo.
Mas a fila do pão não andava, então percebi que o do Zé também era dele; o do Binho, mais ainda; da Terezinha, então! Mas nem te conto da Cecília. Encontrei ela na fila do pão. Pois é! Me falou do João e da falta de arroz; do nariz escorrendo da meninada; que a Beatriz anda danada pra ir ao baile funk. Diz Cecília que ela cismou em colocar shortinho e rebolar junto com a menina do trezentos e seis. Me disse que as duas querem formar um bonde, mas para onde esse bonde vai, eu não sei. Olha mulher, abre teu olho com a Joaninha, daqui a pouco cisma igual a filha da comadre Cecília. E filha minha não rebola até o chão não, a não ser que seja pelo nosso Grêmio Recreativo Unidos do Tijuntinho!
Vê se pode? Essa de política! A farinha vai aumentar de novo! E o Seu Manuel já disse que o francês também, mas vê se pode! Pode? Pode! Mulher, já são seis e meia. Levanta a Joaninha, vai. Vai mulher!
Essa luz está fraca. Oh, meu Deus! Manda essa menina desligar esse chuveiro! Quantas vezes eu já não falei para não usar o ferro junto com o chuveiro elétrico?! Mas valei-me Deus! Hoje dá gato! Ah dá! Vou jogar no grupo e cercado!
Cercado também ficou o Toninho, você viu? Mais de três patrulinhas para pegar o homem! Mas não deu.
É por isso que eu digo sempre pra Joaninha: “trata de estudar para sair daqui. Ou então, vê se aprende a sambar direito e virar uma dessas rainhas de bateria para casar com um cantor desses de pagode, bem famoso”. Só não pode embuchar logo, pois depois ele larga, nem revista de homem, nem programa humorístico na TV! Não é, minha filha? Ô menina! Você está me ouvindo? Mas seu pai já disse: baile funk não! Só samba de Escola e só!
Ô, mulher! Larga essa menina aí e prepara logo essa marmita!