terça-feira, 14 de abril de 2009

Até onde vai o precipício

Certa vez, enviei pruns amigos três contos para serem analisados. Um deles chamou muita atenção entre todos os leitores. Contudo, não é ele que aqui publico hoje. Na verdade, a pequena historinha antes de publicar um conto que surgiu meses e meses depois das tais leituras é para falar do meu chapa André do Micelânea de Opiniões e Sentenças (http://o-andarilho-e-sua-sombra.blogspot.com/). Foi ele quem percebeu que aqueles três contos iniciais possuiam uma certa coesão temática, mesmo que de forma mórbida: o amor. Pensando na sua opinião e sentença, passei a observar o que até então passava despercebido e dei asas ao tema. Isso está quase gerando um livro (cujo título não revelarei). Meu primo e crítico-mor Gustavo Alvaro também já tinha analisado outra característica das narrativas: a poesia. Contos que na verdade deveriam ser chamados de "prosa poética". Como há muito não me preocupo com definições fechadas quanto ao que escrevo por "arte", ora aceito a definição, ora a recharço, não sem considerar que ela não tenha seu fundo de verdade. O conto (ou prosa poética) abaixo foi escrito em janeiro desse ano no apartamento da minha preta, quando nos preparávamos para sair sabe Deus pr'onde. Foi no rabisco mesmo, no papelzinho... É isso, espero que gostem e obrigado André, ainda te devo uma cerveja gelada (ou seria você o devedor?).
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Amei, amei até o fundo da alma. Além das cartas de amor, além dos poemas e das canções. Lá onde já não bastam mais os muitos “eu te amo”, lugar onde não se sustenta “eu preciso de você”.
O afago que iluminava nossa relação não transbordava o vazio que batia em meu peito, por isso amei, amei até o fundo da alma. Alma cansada, eu diria.
Um aceno não me bastava. Nem um sorriso. Tampouco abraços. Um dia consegui uma mexa de seus cabelos loiros, mas eu queria seus olhos castanhos, ou quase mel. Queria bebê-los todos. Os dois.
Mas se não me bastassem os cabelos, os olhos, eu queria a língua. Que ela falasse só para mim – não era assim. Por isso, roubei-lhe os dentes tão brancos que pareciam nuvens nos céus.
Ela fugia, tentava se esconder num esconde-esconde sem fim – ah, como era matreira aquela mulher!
Não conseguiu. Mas por que foge ela foge de mim? Já que não há ninguém no mundo que a ame tanto assim.
Ela corria, corria. Corria como uma garça branquinha ela corria. Não emitia sons e eu já nem me lembro o tom da sua voz. Só eu sei: não há no mundo ninguém que a ame tanto assim.
Eu queria todos os pedacinhos dela. Todos os pedacinhos seus. Arranquei-lhe cada dente, um por um. Os trinta e dois amontoei numa caixinha vermelha. Guardava-a na gaveta para ter comigo sempre o seu sorriso.
Num pote transparente, já sem mel, conservo seus olhos, já sem o mesmo brilho, mas, por Deus!, são os mesmos olhos. Numa fitinha rosa estão todos os fios de cabelo, não se perdeu um fio sequer. Como é bonita a combinação do tom loiro com o rosa.
Algumas coisas... enfim, não se pode ter tudo... Algumas outras coisas suas não pude guardar e, em parte, abandonei no precipício, o mesmo precipício onde mergulhei no escuro com minha alma. Mas no fundo da casa, no quintal bem cuidado, ao pé da macieira, deixei-a descansando –como era matreira aquela mulher –, pois só eu sei: não há no mundo ninguém que a ame tanto assim.

10 de janeiro de 2009
Bruno Alvaro

Um comentário:

Andre de Lemos disse...

Puxa, que é isso, caro Ventríloquo! Assim não vale! Fico muito feliz, como lhe contei via msn, de poder contrinuir de alguma maneira. Conte com meu apoio suporte e divulgação de suas novas empreitadas literárias. Qualquer coisa, estamos aê.

A cerva ainda está de pé. Aguardo seu contato. Cada um paga uma e fica elas por elas... ok?

Saudações rubro-negras! hehehe... não resisti!

Abs...