terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Uma única voz

(É uma tessitura da voz anterior) Confesso que sou daqueles tipos, poucos, de torcedores que não são apaixonados pela balbúrdia. Explico-me.
Amo, amo mesmo, o espetáculo que é o futebol, mas admito que minha vida não gira nem um pouco, nem o mínimo do meu tempo, a isso. Não vou a todos os jogos do meu time de coração e nem sempre o assisto na tevê. Porém, sou obrigado a explicitar que das muitas sensações em conjunto que um ser humano, um ator social, pode ter, é no estádio de futebol (e imagino que isso se estenda a outros esportes que suscitam paixão) que ele encontrará a “dança dos deuses”.
Milhares de pessoas entoando os mesmos cânticos arcaicos, cuja prosódia musical é desrespeitada constantemente, hinos eufóricos, quase um tipo de mantra... enfim, uma única voz. Definitivamente, uma única voz.
Algumas torcidas são mais exaltadas que as outras. Violentas. Comportadas. Quase apáticas. A torcida do meu time de coração é um tanto criticada por sua atitude quase “Suíça” no Maracanã. Admito que tem seu fundamento se a compararmos com as outras quase tribais. No entanto, também devo, e aqui não estou puxando a sardinha para as belas três cores de minha camisa, que mesmo “comportados” o espetáculo de cores que fazemos é digno de nota.
Afirmo isso pelo olhar compenetrado de alguém que teve a oportunidade de assistir jogos históricos, tirando o tradicional Fla X Flu que devo admitir não ter até hoje ido assistir por receio, medo do comportamento da torcida rival.
Mas minha voz de hoje que, como salientado no início, é uma tessitura do que sussurrei na segunda-feira por aqui n’O Ventríloquo, pretende estabelecer uma ponte entre este, que é considerado o maior espetáculo da Terra, e o limite do amor pelas cores de uma camisa, de um brasão, de um clube de futebol.
Minha voz é verdadeira, não há falsetes hoje por aqui, nem falo em tons difíceis, nada atonal...
Meus caros, entendo o sentimento dos muitos vascaínos que vi chorar na segunda-feira e ouvi na rádio no domingo. Realmente entendo. Compreendo, pois vi, ainda na adolescência, época essa conturbada para ter seu time rebaixado, duas vezes por sinal, o Fluminense ir para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro. Na verdade, ele foi uma e desceu ainda mais um degrau. Parafraseando o, também, tricolor Chico Buarque (na melodia de Tom Jobim): “Meninos, eu vi...” e foi triste, muito triste.
As gozações, as piadinhas de mau gosto. Tudo que sabemos pertencer ao conturbado mundo futebolês. Sim, e,como eu disse, meu time foi rebaixado para a terceira divisão e de lá saiu convidado a voltar para a primeira e esse ano de 2008 quase caiu novamente, porém, no final das contas, reservou-se ao Vasco da Gama a fama de rebaixado.
Uns culpam o Flamengo (?), outros a história do próprio Vasco nos últimos anos de gestão do Sr. Eurico Miranda que, na minha ingênua opinião, mesmo com todos os defeitos, sempre correu atrás dos interesses cruzmaltinos (e dos seus, lógico!). Há outros que culpam o Renato Gaúcho, muitos o Edmundo, até o maqueiro, o massagista, o roupeiro, enfim, todo mundo anda sendo culpado. O que é fato: a situação era crítica e mesmo vencendo o jogo contra o Vitória só mesmo o “sobrenatural de Almeida” (e não sei se ele age fora do Maracanã) para que o time da Colina não caísse!
Não tenho muitos amigos vascaínos, poucos mesmo, posso contar nos dedos da mão esquerda, os que tenho certeza que são: Fernando Gralha, Kimon Speciale, Paulo Duarte, Rodrigo Carvalho, Fábio Oneas e Vinicius Constant. Meu sogro também é vascaíno, mas quase não assiste futebol, nem sei se ligou muito para a nova situação do seu clube, nem sei se onde ele mora o jogo foi transmitido!
Não. O objetivo da voz desse aqui hoje não é fazer piadinha com o fracasso alheio. Tampouco reproduzir as piadas que já rodam pelos bares da vida. De todos, os mais felizes são os flamenguistas, claro. A rivalidade Vasco X Flamengo chega a ser estapafúrdia e, como eu disse, sou um dos poucos torcedores na face da Terra que não aprecia o tumulto que se gera após vitórias e derrotas. Talvez, minha natureza nem um pouco competitiva (para algumas coisas) me vacinou contra as discussões sobre quem é melhor dentro das quatro linhas do campo.
Mas a imagem que mais me chocou foi o individuo suicida que tem figurado os meios de comunicação. Vai entender? Psiquiatras tentam explicar. Sociólogos e até historiadores! Contudo, realmente, me senti compadecido com as criancinhas e os adolescentes chorando nas grades de São Januário. Assustei-me no caminho de volta do Maracanã com meu pai e minha namorada quando, na Avenida Brasil, na altura do bairro de São Cristóvão, vi inúmeros PM’s armados contendo a multidão que até parecia conformada e sem muito alardeio ofensivo.
Compadeci-me, pois passei por isso um dia. Passei por isso num momento cuja tentativa de afirmação, identidade, etc e tal, estava no auge de minha vida: a adolescência e foi uma titica só! É duro torcer pelo time rebaixado, ninguém te escolhe na pelada, todo mundo te azucrina, coisas normais... Mesmo assim, me recordo de ir todo prosa com meu pai ao Maracanã assistir o Fluminense contra times que eu nem sabia que existiam.
O engraçado disso tudo, e agora serei bem particular, voltando a sussurrar, que a conversinha que tivemos tem muito haver com um ótimo livro que ganhei em conjunto de dois professores que tive na faculdade e que se converteram em amigos: “A Dança dos Deuses: Futebol, Sociedade, Cultura” do medievalista (!) Hilário Franco Jr.
O livro é ótimo e iniciei sua leitura recentemente como prêmio de descanso pelo fim do mestrado. Porém, o que mais me chamou atenção foi a última frase da dedicatória do Marcus: “Lembre-se que a vida não é só Idade Média”.
É, acho que a conversa de hoje prova que levei à risca o conselho do mestre... E, amigos vascaínos, paciência, paciência, pois pelo que fiquei sabendo o Vasco da Gama é o único time de futebol do Rio de Janeiro e não tenho certeza se do Brasil também, que entrou no Campeonato Brasileiro pelas vias competitivas, ou seja, antes de jogar a primeira divisão, jogaram a segunda, sendo assim: é o renascimento!

Boa sorte.


Ps. Para aqueles que se interessaram pelo livro do historiador Hilário Franco Jr. segue a citação:
FRANCO JR., Hilário. A Dança dos Deuses: Futebol, Sociedade, Cultura. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
É um ótimo livro, tanto para leigos como para historiadores. E como meu amigo afirmou, para alguns “especialistas” que cerram seus olhos apenas para um tipo de leitura, pela atitude do autor, se demonstra que é possível ler outras coisas. Claro, não vou comentar minha opinião formal sobre os motivos da publicação. Seria uma herança “Legoffiana”? Uma coisa é certa, pelo menos é uma boa lembrança, já que não se trata de um livro de História Medieval!

Um comentário:

Paulo Parq disse...

Caramba, Bruno!
Esse post foi muito bem escrito, melhor que os anteriores, sem dúvida! Apesar d'eu ter gostado mais do post do sapo, esse está bem melhor escrito!
Uma prova disso é eu ler tudinho, até o final, sobre um assunto que eu simlesmente não gosto, o futebol.