domingo, 30 de novembro de 2008

Os filhos crescem e nós encolhemos

Lembro-me quando prestei vestibular para Sociologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a quase sempre grevista UERJ. Essa lembrança, não tão recente, me veio à cabeça agora justamente graças ao título que escolhi para a voz de hoje.
Era o primeiro ano de um novo “conceito” de prova, uma coisa meio interdisciplinar, as disciplinas eram divididas por temas, não me recordo bem, mas acho que era algo como Ciências da Natureza... sei lá, tinham blocos temáticos, ou seja, numa questão que seria classificada só como de História, na verdade, abordava esta disciplina mais Geografia, etc. Isso foi em 2000, se alguém fez esse vestibular me ajude.
O que isso tudo tem haver? Muito. Numa das questões, não cobrem muito da minha memória, falava sobre como o ser humano vai diminuindo com o passar dos anos, diminuindo fisicamente, questões ósseas, de músculos, etc. Vamos à voz de hoje, enfim...
Sempre me questiono sobre o que é ter um filho ou uma filha. Um ser humano que é formado a partir de você e de outra pessoa, que pode ter traços físicos que são de vocês, traços marcantes, como nariz, cor dos olhos, cabelos, pele, mas que não é você! Sério! Sempre me pergunto sobre como deve ser essa sensação de ter um pequeno ser que pensa, sente, se emociona, nos meus braços e hoje me peguei questionando uma outra sensação que vem com essa que acabo de descrever. Uma sensação que vêm muitos anos depois: a de ver os filhos crescerem!
Como sempre, e faço isso desde pequeno, fui questionar minha mãe. Passamos então a conversar sobre esse assunto que com o passar do tempo parece agradar muito os pais.
Minha mãe então deu a narrar como eu era calmo quando criança, os perigos que passei no sítio que morávamos: caí num lago que havia no quintal quando tinha apenas um ano de idade, só me salvei graças ao espírito heróico da maternidade, há também a história do lagarto que caiu do telhado em cima do meu berço e que só não me atacou graças ao mosqueteiro (acho que todos sabem o que é um mosqueteiro, não?), enfim, inúmeras histórias...
Como sou filho único meus pais dedicaram grande parte de suas vidas à minha. Não de uma forma exorbitante, não de uma forma que ajudassem um ser humano egoísta, mimado, a crescer, mas, creio, na medida do possível, uma boa pessoa. Sinto agora que meus pais me vendo defender um mestrado, prestes a tentar o doutorado, não sei, mas tenho a impressão que eles ficam relembrando o pequeno bebê que tinham em mãos e com isso se sentem pequeninos. E era sobre essa sensação que queria que minha mãe falasse.
Lógico que não cheguei ao meu objetivo, acho que assim com ocorre com as vozes que solto por aqui n’O Ventríloquo... Assim como os sons que deixo aqui são sem objetivos, muitas vezes longos e enrolados, sem a preocupação crônística de ter um enredo amarrado, assim foi minha conversa com minha progenitora. Mas no fim, foi mais uma de muitas conversas agradáveis sobre história e memória com ela.
Por fim, e estou encerrando por aqui, ela me contou a história do sapo. Já morávamos nessa mesma casa, também com quintal espaçoso e arborizado, e aqui em dias de chuva fina ou tempo úmido surgem os sapos e rãs. Meu pai sempre, pelo menos que eu me lembre, foi gordinho, barrigudo, assim, meus tios, irmãos de minha mãe, o chamavam de sapo...
Um dia apareceu um sapo aqui na frente da varanda, segundo minha mãe, eu tinha uns dois ou três anos. Brincadeira para cá, brincadeira para lá... todos rindo e eu também: “Olha seu pai, Bruno! Seu pai virou um sapo...” e eu ria. Porém, quando a diversão enjoou, sim, hoje como adulto percebo que chega uma hora que enjoamos de brincar, resolveram enxotar o sapo ou mesmo matá-lo, aí entra a falta de inocência que as crianças não têm, pois é muito mais divertido matar um sapo que ficar rindo com uma criança de dois anos que aquele animal inofensivo é seu pai...
Aí entra a graça da narrativa. Segundo minha mãe, quando a vi com meus tios tacando coisas no anfíbio, tentando enxotá-lo, dei a chorar, chorar forte e berrava e berrava: “Não matem papai, não matem papai...”.
No fim da história, sentada no braço do sofá da sala, assim de forma tão brusca como a forma como estou me calando aqui, ela parou e refletiu: “é o tempo passa...”. Acho que só seu silêncio já me transmitiu um pouco de como é a tal sensação.
E, sim, os filhos crescem e nós encolhemos. E quem protegíamos, agora nos protegem... mesmo que sejamos meros sapos!
Ah, o garotinho da foto sou eu...

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Sobre o poema que não tenho cópia

O ano vai chegando ao fim e é comum arrumarmos as pendências. É a busca pelo perdão, o reatar com amizades longínquas, a perspectiva de um novo projeto, é a construção de novos projetos. Fim de ano é assim e estamos quase no fim do ano.
Nas ruas já é possível sentir o cheiro dos panetones. Nas lojas, além das pessoas já se acotovelarem, já somos massacrados com os jingles natalinos: “Já é natal na...”. Enfim, não há como fugir das referências ao dia 25 de dezembro.
Confesso, e acho que já vociferei sobre isso por aqui, não sou, há muito, chegado às festas natalinas. Há muito tempo que esse dia já não tem um sentido lógico na minha existência e olha que não sou alguém muito lógico.
É curioso como sempre passo o natal sozinho. Não, não é nenhum charminho para receber convites, pois nem sempre estar sozinho significa estar só. Não me lembro muito bem, mas acho que no natal passado fui dormir cedo, meus pais também. No retrasado, peguei o carro e fiquei andando sem rumo por Mesquita, Nilópolis e Nova Iguaçu. Tempos atrás, ia à casa do meu amigo Elber filar uma rabanada banhada no vinho e desejar-lhe feliz aniversário. Ou então assistia cantatas sobre o menino Jesus na Igreja. Tempos idos. Tempos outros.
Apesar de muita gente achar que sou pessoa de muitos amigos, enumero aqueles com quem tenho o hábito de falar no natal, por telefone, claro: Marcus, Fernando, Kátia (às vezes por mensagem via celular), Rodrigo Otávio, Thiago Porto, Celsinho... Não conto Gustavo, pois o vejo e acho que ele compartilha do isolamento nesse dia também.
De quando em quando aparecem amigos novos. Creio que neste ano que já está indo embora, fortaleci alguns laços, conheci gente nova e me afeiçoei. Poderia listar aqui, mas acho que pega mal, pela pouca quantidade.
Curioso como fiz pouca poesia, conseqüentemente, poucas amizades. Muitos que eu pensava serem amigos foram embora e consigo levaram alguns poemas.
Como ando com um certo tempo livre atualmente, dei a fuçar agora pouco em poemas antigos guardados no HD, como tirei esse mesmo dia de hoje (de ontem, na verdade) para organizar minha documentação para a inscrição para prova de doutorado, aproveitei para procurar os manuscritos poéticos dos textos que agora jazem em formato Microsoft Word.
Pouco encontrei. Mas o poema que se segue, sei que nunca guardei, nunca mesmo, o manuscrito. Realmente não fiz cópia. Lembro, vagamente, estar um pouco além da conta alcoólica quando o fiz, não sei com quem ficou, mas tenho a ligeira impressão de que já foi reciclado.
Não lembro onde estava no dia, mas levando em consideração que dia 17 de janeiro de 2007 (quando escrevi o poema) foi uma quarta-feira, provavelmente, eu estava em casa, na rua passeando com Ana ou bebendo em algum bar. Estaria com ela o manuscrito? Não sei. Joguei no lixo? Desfez-se na Baía de Guanabara? Ficou com algum amigo bêbado? Sei lá!
Fica um ar de eterno, e como é bom esse tal de eterno...


Sobre o poema que não tenho cópia


Há uma poesia que eu não lembro o nome
Que eu não lembro muito bem os versos
Só sei que num papel amarelo
Só sei que escrevi no apreço
Ainda sei o tema que ainda hoje mantenho em segredo
Não sei que segredo há naqueles versos
Mas vai e vem me lembro deles
É o único poema que não tenho cópia
É o único poema que não tenho toque
Talvez seja um poema de uma só estrofe
Aquele poema que não sei o nome.

17 de janeiro de 2007
Bruno Alvaro

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

domingo, 23 de novembro de 2008

“Feliz Natal”. O filme de Selton Mello é um soco no estômago dos mais sensíveis


É aquela coisa, depois de muito trabalho, dissertação concluída, projeto de doutorado, você resolve descansar um pouco, não é verdade? Pois é... Decidimos ir ao cinema. Tardezinha chuvosa, friozinho, sala de cinema vazia, nada melhor!

O filme? Putz, vamos assistir à estréia do Selton Mello como diretor? Tá certo, tá certo, o cara já dirigiu uns clipes do Ira!, do Nasi em carreira solo, enfim, por ser bom ator a gente vai com uma “certa” esperança...

Assim, entramos para assistir Feliz Natal... Como o título do post diz: é um soco no estômago! Um certeiro soco no estômago. A história de Caio, que não sei se poderíamos chamar de protagonista, se confunde com muitas histórias de vida por aí, altos e baixos, uma certa vitória, blá, blá, blá. Pelo incrível que pareça, o filme é sobre família, sim, uma família desmoronada, não sei se por conta do que Caio fez um dia ou por fatores que quando não há base familiar permitem que o barco afunde.

A forma como foi construída a filmagem, magnífica! Te põe, literalmente, dentro do filme, dentro das imagens, fortes por sinal. Sim, é um filme cult. E entenda cult no termo mais profundo. Sim, precisa ser, no mínimo um pouco sensível, inteligente, para, no fim das contas, tirar algo no final, não por ser “cult” ou ter “um roteiro complicado” mas pelo próprio ser forte, muito forte por sinal.
Não, não é um filme para o que eu pretendia hoje, nem um pouco, eu deveria ter ido assistir um sucesso de bilheteria logo na estréia, enfrentar fila pro ingresso, pra pipoca, ficar ouvindo gritinhos, etc, enfim... Mas, não sei se por gostar do Leonardo Medeiros (o cara que interpreta o Caio, para quem não sabe quem é, o cara é o protagonista do ótimo filme Cabra Cega, ainda não sabe? Ok, ok, tá na novela das oito da Globo, é o prefeito corno...). É um ótimo ator. Sim, meio marcado por personagens, digamos, atordoados, cansados, mas, acredito eu, a carga dramática do Leonardo Medeiros é fantástica, é um dos grandes atores brasileiros da atualidade. Lógico que não posso ignorar a ótima atuação do filho do inesquecível Gianfrancesco Guarnieri... Paulo Guarnieri.

No fim das contas, a soma de tudo, direção, fotografia, arte, elenco e uma única música como tema (maravilhosamente composta por Plínio Profeta) dá a esse filme ares de “preciso ter na minha coleção”, o melhor de tudo (para mim, claro) é que, certamente, quando sair em DVD, será um dos muitos filmes esquecidos e que são vendidos por R$ 9,00, no máximo R$ 14,99 nas Lojas Americanas! Bom para mim, que ando sem dinheiro, ruim para a arte que deveria ser mais respeitada, mas não entremos nesse assunto!

O personagem Bruno, o menino bonitinho, na trama, sobrinho caçula de Caio, é o contraponto da inocência, da pureza... no fim das contas, tudo é muito cru. Tudo no filme é um soco no estômago.

Poderia falar de cada personagem, para que minha sinopse tivesse cara de sinopse, mas não faço aqui algum tipo de resumo, porém, um sensível apelo... Tenham, daqui a um mês, um Feliz Natal!

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Caminhada

Eu caminho o Rio
Mas, na verdade, é o Rio de Janeiro que me navega.
São as pessoas vindo de algum lugar e me atravessando os poros
Penetrando minha alma com seus cheiros e sorrisos.
Um grupo de jovens fuma num canto, em roda, na hora do almoço,
Os taxistas conversam sobre o futebol,
Na Praça do Pequeno Jornaleiro, crianças se aglutinam e comem cola.
Eu caminho o Rio
Mas na mais pura verdade é ele quem me passeia.
São as saias rodadas e os tailleurs,
São os ternos e as camisetas regatas,
São os sem teto, sem trabalho, desnudos, aflitos, cansados.
É a cerveja suando no boteco da esquina.
O copo de uísque no fim, tintilando com o gelo se derretendo
Como vós
E que venha a nós o vosso reino,
Ó Cristo Redentor,
Pois só te vejo de costas ao ir voltando para casa.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

O silêncio são palavras?

Por muito tempo, depois de muito tempo, quebro meu silêncio, em contraponto, ouço a chuva cair lá fora. Eu aqui dentro.
Confesso que me ausentei. Sou uma pessoa de ausências, mas a vida prega peças curiosas. Faz exatamente uma semana, se considerarmos o agora como a quinta-feira que já se foi, que recebi a triste notícia que o pai de um grande amigo meu havia morrido.
A notícia veio pelas ondas cibernéticas do MSN. Após o frio comunicado, minha amiga me ligou e pude ouvir sua voz compenetrada me contando os detalhes sobre o enterro que já havia sido. Pensei, enquanto suas palavras soavam no meu ouvido: “(...)”.
Hoje, fomos os dois, eu e essa amiga, que mantêm uma semelhança enorme comigo, visitar o rapaz simpático que me possibilitou um dia ter tido a honra de conhecer seu pai.
Quando o vi, e já fazia tempo, só pude abraçá-lo sem encontrar palavras, mas as palavras eram dele. Relembramos o discurso do sábio quando esse meu mesmo amigo viajou à França para complementar seu doutorado. Calado, me lembrei que chorei naquele dia. À minha frente uma foto sorridente do mesmo senhor que me olhou no fundo dos olhos e me disse que eu conseguiria. E eu consegui. Creio que hoje, pela manhã, recebi o último e-mail da minha orientadora a respeito de sua análise do meu último capítulo e minha conclusão. Num e-mail simples, ela decretou: “Seu capítulo 5, que gostei muito, e conclusão estão liberados. Hoje vou para Praia Vermelha, mas amanhã ficarei em casa ate às 19h. Me ligue, ok? Abração, Eu”
Lembrei do pai desse meu amigo. Não preciso de nomes. Nem sei quem sou nesse mundo. Mas suas palavras ainda ecoam em mim. Na época eu passava por problemas, não sabia nem se ia passar na seleção de mestrado. Passei e aqui estou, depois de muitas semanas em claro aprontando tudo, aqui estou, ainda com o sono atrasado, com olheiras enormes. Porém, assim que saí daquela casa, onde, pessoalmente, reafirmo que reside o amor, apenas sorri.
Aqui estou sabendo que tudo se esvai rapidamente. Não há dúvidas. Mas, também, estou firme na certeza de que nada é por acaso e de que no fundo, no fundo, o silêncio são as palavras.
Por isso, só pude sentir o beijo gostoso de minha mãe em minha cabeça. Não sei se por perdão ou pedido de desculpas por minha quarta-feira complicada. Só pude fazer planos com meu pai sobre uma possível reviravolta em minha vida profissional e a perspectiva de poder, para nós, pagar sem ser em parcelas o seguro do carro popular que ele ainda paga para que eu desfrute.
Por isso hoje, só pude ir dar minha aula costumeira e voltar para casa cansado e, inevitavelmente, sem pagamento. Pude voltar para casa e olhar meus pais e pensar que a vida se esvai, mas que não há silêncio entre nós. E que no fundo, no fundo, me contradisse ao dizer a pouco que o silêncio são as palavras. Talvez, um beijo na cabeça, um sorriso, substituam o silêncio, substituam as palavras e resumam o que é família.
Uma mesma família que se une na morte. Uma mesma família que vê no ato da perda a conquista de um novo caminho.
Seu Nonato, muito obrigado. Onde o senhor estiver, muito obrigado.