sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Porque assim somos feitos

Porque é do amor que fomos feitos
E quando não
É pela simples celebração dos corpos juntos.
Assim fomos feitos
Em movimentos contínuos e suados
Num vai e vem harmônico
Que não aprendemos
Apenas recebemos como dádiva
Assim que fomos feitos.
E é nessa ilusão pela busca do perfeito
– O corpo, a mente – que percebemos que somos falhos
No amor
Na vontade de amar.
Pois se amamos pouco, perdemos
Se amamos demais, tiramos.
É um mesmo vai e vem contínuo
Eterno.
Porque é desse amor que fomos feitos
É dessa ira que saímos.
Dessa ilusão que nos fazemos
E quando não
É o amor que nos sustenta
E se confunde na simples celebração dos corpos juntos.
Enfim somos feitos,
Lançados harmoniosamente no caos,
Suspirados
Somos a conta de uma única gota
Que sobrou de um falo cansado.

17 de outubro de 2008
Bruno Alvaro

O que é um padrão de beleza?


Ontem enquanto descansava um pouco a mente após desgastante leitura do livro de Antonio García y García, Historia del Concilio IV Lataranense de 1215, me deparei com algo na tevê, um clipe antigo que marcou toda uma geração: Beat It do astro pop Michael Jackson.
Parte integrante do disco mais vendido da história da música mundial – Thriller –, tal faixa, que rendeu o supracitado clipe e erigiu, sem contestação, o dito cujo Peter Pan como um dos caras de maior sucesso nessa área de manifestação musical, possui coreografias esplendidas, uma musicalidade fantástica e claro, clichês típicos do saudoso anos 80.
Mas o que mais me saltou os olhos acerca do visual de Jackson em 1983 foi o auge de sua beleza. Não sou o único a defender que mesmo na sua época de Jackson Five, Michael era uma criança negra fofinha e muito bonita – sim, claro, seu narigão era feio, mas eu tenho narigão também e me acho bonitinho!
Procuro entender a obsessão desse artista em tornar-se mais “bonito” ou mesmo, não tenho certeza sobre, desvencilhar-se de sua história triste quando criança, seus traumas, etc, talvez, não sei, ele associe isso a sua raça, cor de pele, vai entender? Enfim, não buscarei objetivos sobre sua descoloração, tampouco, acredito que a explicação acerca de uma doença de pele, seja o real motivo para o embranquecimento do cantor.

O tema da minha voz de hoje, na verdade, versa muito mais a respeito de como ele estava bonito em 1983! Putz, que negro bonito! Confesso que a cirurgia no nariz, afinando-o, porém, nem perto da ausência atual (afinal, quem não sabe que ele quase perdeu o nariz por tanta plástica?), o deixou com traços finos, na minha opinião nem femininos nem tão masculinos - no ponto! Apesar, que algumas mulheres adoram o tipo bruto, rosto fechadão, mas isso, fica a cargo de vocês, senhoras! O cabelo, estilo cocota, não tão liso, apenas cacheado, a pele de um negro chocolate, o famoso "marrom bombom brasileiro" (ainda muito próximo de sua infância afro), davam um tom realmente bonito ao rapaz talentoso e ótimo dançarino. Fico pensando quantos quadris femininos não desejaram rebolar juntinhos com o cara (sim, eu sei, tem gente que diz que ele não gosta da fruta...), mas, eu garanto que um homem bonito e bom dançarino é irresistível! Veja o meu caso, não sou um Fred Astaire, no entanto, quando ensaio meus passos, minha preta fica toda assanhadinha! Um dia ainda viro um pé de valsa, minha preta, um dia ainda viro, prometo!
Me questiono, assim, sobre o que é o padrão de beleza, não só para a sociedade, mas para o individuo, o ator social. Engraçado como atualmente quase não se fala e, ao mesmo tempo, fala-se em indivíduos. Em tempos de identidade e alteridade, muita coisa se choca a conceitos e definições.
Digo isso, pois fico no patamar de não saber definir minha raça. Em minha certidão está assinalado pardo, o que é ser "pardo"? Nem sei.
Sei, sei... Há imposições sociais, histórico de uma falsa superioridade, racismo, preconceito. Porém, mais uma vez, me pergunto: Qual é o padrão de beleza? Dizer que é "pardo" é escapar de algum preconceito? Essa era a saída?
Enumero e perco as contas de pessoas brancas, "pardas", negras, amarelas e verdes que são consideradas lindas, enumeram a People (que, vala-me Deus! De “povo” não tem nada!) ano a ano. Entretanto, como muita gente, também brinco e, sarcasticamente, num bar, na rua, num show, no shopping, aperto mais forte a mão de Ana (esse é nosso código) e aponto quem acho feio ou feia, mal vestido ou vestida, etc, sem se esquecer, é lógico, que algum casal deve estar fazendo o mesmo conosco. Coisas da vida.
Mas mesmo assim, qual é o meu padrão de juízo? Como julgo o que é belo ou feio? Veja o caso do Michel Jackson. Por mim, ele teria ficado no negro estiloso e lindo de Thriller e acho até que me aparecerá gente que discordará sobre minha classificação de “mais que belo” nesse período de vida do cantor pop.
Doente, ele? Não sei, pode ser. Contudo, recentemente, li uma notícia de uma modelo brasileira que aumentou sua prótese de silicone nos seios, pois, além de galgar o primeiríssimo lugar entre as mais peitudas do mundo, ou a mais (?), acha isso bonito! Bom para ela, ruim para sua saúde, sua coluna, seu bem-estar.
Porém, a vida não se faz só de seios, embraqueamento, bronzeamento, alisamento. A vida se faz no trajeto pela busca da felicidade. E com sinceridade? Se o Jackson é feliz e busca ainda a felicidade com suas transformações físicas – torço por ele. O importante é a satisfação com o corpo e a busca, moderada, por essa tal satisfação.
Para encerrar.:
- Não. Eu não faria uma plástica para afinar o meu nariz batatinha. Posso conviver com meu nariz de porquinho, feliz da vida! E também não alisaria meu pixaim: meu cabelo estilo “Coalhada” está ótimo assim!



* Coalhada foi um famoso personagem do humorista Chico Anysio. Tinha uns cabelos cacheados e desengonçados. Uma preponderante barriga e uma tradicional camisa do Vasco da Gama.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Um horizonte distante para a janela da alma

Janela lateral do prédio do Paço Imperial

Esse grito vai sem delongas ou pieguices dedicado a quatro pessoas. Sem muita revisão, sem muito gargarejo ou ensaio. Talvez saia rouco e desafinado – e quem não desafina na vida?
Vai para você Gustavo Alvaro. Vai para você Ana Lúcia. Vai para você Carolina Fortes. E vai para você, minha cara orientadora. Tenho meus motivos. Meus muitos motivos.
Ontem foi dia dos mestres. Maestros que ensinam a ler, escrever. Ensinam em escolas e universidades por esse Brasil. Ontem foi um dia confuso para mim. Mas, um dia que não ensinei, apenas aprendi. Pois nessa arte de ensinar sempre há suas surpresas e a gente aprende mais do que ensina.
A minha veio numa notícia de início desastrosa para minha vida organizada em prol de minha pesquisa histórica que, como bem salientado por Carolina, não deve ser o único foco da nossa vida. Me conformei. Mas não era conselho de conforto era conselho de alguém que sabia o que estava dizendo.
Meu semblante mudou um pouco, já sorria para Gustavo e observada seu novo livro de partituras para viola. A voz embargada que Ana havia ouvido minutos antes pelo celular, possuía uma firmeza conhecida e natural. Eu até já sorria.
O mesmo celular vibrou. Entrei no elevador só. Poucos segundos me separavam do que meses, dias, horas antes eu vislumbrava no horizonte distante. Esses mesmos segundos, me remeteram ao passado. Ao caminho que tracei até ali: o horizonte não era distante, na verdade, era aquele momento. A tranqüilidade me domou mais uma vez.
Um bom orientador não se resume em um milimétrico olhar crítico sob e sobre nossos textos. Não se faz e se perpetua, simplesmente, pelo conhecimento prévio de livros, artigos, caminhos. Não! Definitivamente não! E hoje acabei tendo essa certeza - que já me era clara.
Com pesar uma notícia me foi dada e com uma segurança tamanha a solução encontrada. Uma solução de arrepiar os pêlos do braço. A tensão foi passando. Segredos mais uma vez sendo guardados.
A janela foi se abrindo e um raio de sol foi transpassando as nuvens densas. Mas o caminho ainda é longo, pois o tempo vira. Mas por que desesperar?
Coincidências da vida? Não sei. Mas quando acabo de gritar o que aqui gritei, que música vocês acham que começou a tocar?
Um abraço terno em vocês, viu?
Divido minha voz e cantarolo aqui uma das muitas belas canções da fértil parceria entre Ivan Lins e Vitor Martins. Pois não devemos nunca nos desesperar, jamais!

Desesperar, jamais
(Ivan Lins e Vitor Martins)

Desesperar jamais
Aprendemos muito nesses anos
Afinal de contas não tem cabimento
Entregar o jogo no primeiro tempo

Nada de correr da raia
Nada morrer na praia
Nada! Nada! Nada de esquecer

No balanço de perdas e danos
Já tivemos muitos desenganos
Já tivemos muito que chorar
Mas agora, acho que chegou a hora
De fazer valer o dito popular

Desesperar jamais
Cutucou por baixo, o de cima cai
Desesperar jamais
Cutucou com jeito, não levanta mais

* Do disco: A Noite (P 1979)

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Nem nostálgico, nem saudosista, nem tristonho: Apenas um antiquário de lembranças!


Recebi um único comentário (milagre, milagre!) para a voz anterior. Um comentário, anônimo, que dizia, aconselhava: “seja feliz.”
Primeiro, fico muito feliz quando alguém comenta por aqui, já que a maioria dos comentários que recebo sobre as vozes d’O Ventríloquo me chegam via e-mail. Sobre o comentário, como um todo, realmente não acho que eu seja uma pessoa “nostálgica”, tampouco, triste. Aliás, nem toda pessoa saudosista ou nostálgica é triste.
Quando escrevi, soltei aquela voz que foi uma tessitura, digamos, o tenor para uma melodia para contralto, eu estava muito bem, obrigado! Ou seja, a voz que surtiu a voz do nosso amigo ou amiga anônimo, era companheira de uma voz anterior (um outro texto), mas que se encaixou bem na melodia como um todo, tanto que gerou som vindo de alguém que, infelizmente, não se identificou.
Por falar em saudosismo... Hoje, por exemplo, encontrei pelos corredores da vida uma amiga (oi Nanda!) que reclamou a respeito do meu sumiço. Mandou beijos para os meus pais, lembrou que em setembro foi aniversário da minha mãe, enfim, conversamos rapidamente, pois a vida segue sempre seu rumo. Senti que o momento saudosista – mas não tristonho – foi quando calculamos que já fazia dois anos que não conversávamos mesmo. Que não sentávamos num bar, que ela tinha ido à minha casa pela última vez, etc. Observamos, os dois, naqueles rápidos minutos de conversa, como o tempo passa num instante.
Para calcularmos o tempo que ficou lá atrás fizemos conjecturas, como:
- A esposa do teu Tio Flávio estava grávida.
- É, o filho dele fez dois anos, Flávio Henrique o nome.
- Nossa! Já faz dois anos que fui naquele churrasco?
- Sim, eu e Ana já temos um ano e lá vai fumaça de namoro, para você ver. Estamos quase casando.
- É verdade, o tempo passa...
Enfim, o tempo passa (isso é uma lógica indiscutível) e a gente vai crescendo. Perguntou por meu primo, mandou beijos e se foi e eu me fui, todos vão. Vamos rápido. É necessário que a gente vá. O ser humano precisa ir e vir para viver. E enquanto eu caminhava pela Cinelândia, sentindo um frio fora de época, uma chuva fina na cabeça, pensei lá no fundo: “Logo, logo fará dois anos que sou o cara mais feliz do mundo.”

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Voltando a tocar violão

Minha última incursão pelas muitas vozes da vida, foi questionar-se sobre o que é a saudade. Hoje percebi perfeitamente que saudade é uma intima vontade pela presença de alguém ou de uma coisa, mas, para haver saudade, saudade da boa, creio eu, que se faz necessária uma via dupla, uma dualidade entre o ser ausente – que te faz falta – ou a coisa que não se tem mais, e, claro, você.
Penso eu, que saudade por saudade é bom. Ou seja, no caso de seres, você sentir que a ausência da pessoa ou animal é retribuída da mesma forma, talvez, expressa de maneiras diferentes, mas na mesma via dupla a que me referi. É claro que você não abanará a bunda para o seu cachorro!
Mas a saudade, ao mesmo tempo que é um sentimento intimo, é multifacetário. Pode e deve estar inserido em possibilidades infinitas, como uma tentativa louca de encontrar o fim do fio de um novelo. Como disse, hoje percebi isso e meu texto anterior que, talvez, para muitos, possa ter tido um tom esquisito, amargo – o que, na verdade não foi – soa agora com um significado impecável.
No fim das contas, minha tese sobre “relacionamento família e um reles namorado” é o que é: uma lógica tão evidente que até o mais primitivo animal, o mais ciumento ordinário compreenderia. Por este motivo, falarei sobre outras coisas na voz de hoje e simplificarei o sentido da saudade em um objeto e não num ser.
No ano de 1998, mais especificamente, no dia 9 de setembro, troquei dois cd’s do extinto grupo Legião Urbana por um do cantor e violonista Toquinho. Um ótimo cd, fruto de sua participação num projeto de shows intitulado “A Luz do Solo”.
Afirmo que um trabalho impecável de arte, voz e violão em sintonia como se fossem um só corpo. Talvez, os amantes das letras de Renato Russo não entenderam muito bem minha atitude e ainda o prejuízo na troca que fiz num sebo que existe até hoje em Nova Iguaçu, próximo ao supermercado Sendas. Um sebo modesto, que, imagino eu, ainda sobrevive graças às vendas de revistas pornográficas antigas, aliás, em ótimo estado e em numeroso estoque. Eu mesmo, comprei várias ali, por um ótimo preço, fotos clássicas de atrizes que hoje se encontram no limbo televisivo. Sem contar as preciosas entrevistas, preciosas mesmo, como a de um Fidel Castro, na edição (com a Maria Zilda na capa - 1985) comemorativa de 10 anos da primeira Playboy publicada no Brasil.
Fiz tal troca (dois cd's por um), por alguns anos antes ter iniciado meus estudos nesse instrumento que reencontro depois de quase um ano de afastamento: o violão. E todo e qualquer trabalho de Toquinho deve ser ouvido por quem gosta desse instrumento.
Não tenho nenhuma foto boa da época em que, de calças de moletom, cabelo grande e encaracolado, seguia eu pela ruazinha atrás do Tênis Club de Mesquita, beirando o rio e ouvindo os sons da quase falida fábrica de sombrinhas Pumar, até a Primeira Igreja Batista em Mesquita, para ter as primeiras lições, estudar os primeiros acordes, papear agradavelmente com meu primeiro professor e, na adolescência, papear abertamente com um adulto era coisa rara, principalmente com alguém cuja alma era de artista.
Realmente, as fotos que tenho são péssimas e vergonhosas. Porém, tenho lembranças ótimas desse período.
Nesse disco do Toquinho há uma música que expressa muito bem e de forma mágica esse momento tão bom e doloroso para todo estudante iniciante nesse instrumento.
A música é pouco conhecida e foi feita por ele em parceria com Vinícius de Morais e o grande violonista Paulinho Nogueira, na verdade, a letra é do poeta Vinícius que, segundo o próprio Toquinho, conseguiu transmitir muito bem as impressões da época em que ele, ainda jovem, tinha lições de violão na “casinha da praça” que pertencia ao seu professor Paulinho Nogueira. O curioso é que músico relata que Nogueira mostrou, certa vez para ele, um choro que só tinha a primeira parte.
Anos se passaram e Toquinho, já célebre cantor e exímio violonista, terminou o choro e, como eu disse anteriormente, deu para o poetinha pôr letra (que pode ser lida ao final desse texto).
Ouvindo agora, nesse instante, essa música, lembro de muita coisa. Lembro das aulas, das dores nas pontas dos dedos naquela época, e que, recentemente, depois de um final de semana inteiro praticando voltaram e já se foram. Contudo, confesso, que em tempos passados, foram meses até se formarem os calos protetores contra o arranhar dos dedos nas cordas de aço do violão chueba que eu usava.
O curioso é que nunca tive um violão. Nunca tive um violão meu. Comprado ou recebido de presente (meu pai chegou a me dar uma guitarra de aniversário e um contrabaixo, mas nunca me deu um violão!). Mesmo sendo canhoto e invertendo as cordas para tocar como um destro tocaria, sempre tive a sorte de ter pessoas próximas que possuíam o instrumento por modismo ou outros motivos desconhecidos agora por mim. Até mesmo esse violão que me chegou às mãos recentemente, é um instrumento que estava sobrando entre os muitos que meu primo Gustavo possui. Engraçado como é a vida. Foi o próprio que, não se por que cargas d’água, pediu um violão para o pai quando ainda era moleque, violão esse, que acabou me jogando no mundo da música. Pois o instrumento ficou jogado em seu quarto, ele não estudava (acabou iniciando-se na música através do piano) e eu acabei pegando “emprestado” e nunca mais devolvi. O chuebinha se desfez com o tempo. Depois, muitos outros instrumentos de outras pessoas passaram na pelas minhas mãos, uns devolvi, o último que tive, fez parte dos despojos de um fim de noivado desfeito. Assim como aquele relacionamento, ele foi se desfazendo com o tempo, até se esfarelar nas bocas dos cupins.
E aqui estou eu, refletindo sobre saudade. Ao som de um dos poucos discos que permaneceram. De uma época em que ainda trocávamos cd’s com os colegas ou com lojinhas de usados. E aqui estou eu, sentindo um cheiro de incenso de bálsamo, no mesmo quarto onde passava tardes decorando revistinhas de cifras...
E aqui estou eu no mesmo lugar, no mesmo lugar que percebi que, por si só, ainda me basto. Sendo assim, não há motivos para saudades de ninguém. Nem do tempo. Nem de mim. Afinal, a saudade é uma mão dupla e minhas teses, no final das contas, sempre se confirmam. E assim como andar de bicicleta: nunca se esquece o acorde de sol maior!

*A Luz do Solo – Toquinho (Lp. Philips – 1985/ Cd. Polygram – 1997).
*Paulinho Nogueira, nasceu em 8 de outubro de 1929 e morreu em 2 agosto de 2003, dentre os ótimos discos que gravou, cabe ressaltar seu último trabalho, o instrumental: Chico Buarque – Primeiras Composições (Cd. Trama – 2002).

Choro Chorado Pra Paulinho Nogueira
(Vinicius de Morais/ Toquinho/ Paulinho Nogueira)
Quanta saudade antiga
Quanta recordação
O toque paciente
De tua mão amiga
Me ensinando os caminhos
Corrigindo os defeitos
Dando todos os jeitos
Pras notas brotarem
Do meu violão

Ah! Como eu lembro ainda
Cheio de gratidão
A hora entardecente
A nostalgia infinda
No modesto ambiente
Da casinha da praça
E eu em estado de graça
De estar aprendendo
A tocar violão

E hoje nós dois
Tempos depois
Damos com nova emoção
Um novo aperto de mão

Neste chorinho chorado juntos
E que tomara renasça em muitos
Pois a maior alegria
É chorar de parceria
Num chorinho que é só coração
E relembrar que o passado
Vive num choro chorado
Pelo teu e o meu violão.

domingo, 5 de outubro de 2008

Afinal o que é saudade?

Há tempos venho tentando escrever um texto digno sobre minha relação com barbeiros e cabeleireiros.
Cheguei escrever um texto maçante, longo e minucioso, no qual eu descrevia velhas lembranças sobre meu incômodo em cortar os cabelos.
Pois bem, será que é chegada a hora de, enfim, refletir sobre esse meu tormento que pode ser de muitos?
Não! Realmente, não!
O corte de cabelo só entrou na voz de hoje pois, pelo segundo mês consecutivo, cortei meus cachos num salão quase em frente ao barzinho onde compro os melhores bolinhos de aipim com carne moída do mundo – melhor até que os do Rio Scenarium!
Esta introdução se justifica, pois o cirurgião capilar que, com esmero, tem deixado minha cabeça menor, demora, entre lavagem dos cabelos, corte, espanada com talco e espelho – que parece nos fazer responder automaticamente: Tá bom... –, exatamente, 60 minutos para completar sua arte. Ou seja, fico uma hora em sua cadeira.
Meus caros, é tempo suficiente para pensar na vida, relembrar causos, sentir saudades... e tudo em silêncio, pois não sou de conversar com pessoas com instrumentos pontiagudos muito próximos às minhas orelhas – fico com um certo receio de que a pessoa pode ser distrair e nessa distração...
Pois é, é a saudade que dá o tom da voz de hoje. Complexa e doce saudade! E não o corte de cabelo. Vamos à prosa...
Há alguns meses, meu sogro comprou uma dessas casas de veraneio pré-fabricada num fim de mundo chamado Unamar e para lá se foi com minha sogra. Enfim, não cabem aqui explicações sobre suas vidas, minha opinião sobre o ocorrido, apenas a figuração do fato. Em finais de setembro, minha Ana entrou de férias, o que por sua sorte coincidiram com as férias de uma de suas irmãs que reside no sertão da Bahia trabalhando para Infraero. Blá, blá, blá, coisas de família, papai, mamãe, titia... Essas coisas bacanas da vida, sabe? Reencontro choroso no aeroporto, sobrinho novinho já na fase maravilhosa das gracinhas, aprendendo a correr e falar: uma felicidade só para todos! Que bom!
Mas onde eu entro nessa história toda?
Lógico que todos foram para Unamar. É uma lógica sem nenhuma complexidade, eu também o faria, se não fosse, simplesmente, namorado. Aqui valem explicações, também lógicas.
Gosto dos meus sogros, são pessoas gentis, bacanas, carinhosas e, também, aparentam gostar de mim e, tenho certeza, que me receberiam com uma alegria só. Mas, acontece que desde meu primeiro namoro, namoro de freqüentar casa, família, tomar café, almoçar, viajar juntos, etc, que aprendi a manter uma distância saudável das pessoas que, mesmo que um dia façam parte, não são de minha família (no fundo nem com todos meus familiares tenho muito contato). Além do mais, ninguém é obrigado a aturar namorado de filha.
Nessa minha experiência passada, que, confesso, foi agradável, no período da adolescência, aprendi muito e, ainda, guardo um carinho enorme por aquele casal que me acolheu e hoje, com a distância do tempo e a maturidade adquirida com ele, percebo que namorei aquela menina que me tratava tão mal por tanto tempo por adorar seus pais e sua irmã caçula (que hoje já é uma moçona!) e nem tanto por aquele relacionamento medonho.
Ou seja, esse texto é fruto da seguinte conclusão: não viajei com minha namorada para Unamar (mas que porra de nome é esse?) e fiquei aqui em Mesquita vendo o tempo passar lentamente e relembrar decorrências da vida. Aproveitei para colocar o capítulo final da dissertação nos trilhos, papear com meu primo, trabalhar uma canção em parceria, ver vídeos com ele, etc. No mais, é um momento família deles, as três filhas, o neto, o genro, enfim, como eu disse, namorado é penetra nesses momentos, creio que namorado não tem nem que sair em foto de aniversário de família. Na verdade, eu teria incontáveis desculpas para não ter ido com Ana para a “terra perdida”, mas no fundo, no fundo, foi por conta do que expliquei, por conta dos princípios que formei acerca de relacionamentos namorados versus sogros. Porém, assim que tudo se ajeitar por aqui, pego um ônibus com Ana e ponho a perna no mundo e vou para lá visitá-los, devo isso e quero isso.
Por isso, meu sábado foi esquisito e comecei a perceber que seria, nos longos minutos que passei no cabeleireiro e esse texto foi tomando forma ainda lá.
Já havia sentido saudades de Ana antes, mas parece que quanto mais o tempo vai passando, mais perceptível fica a sensação de que devemos ficar sempre juntos. Uma coisa de para sempre, entende? Sendo assim, começo a pensar em tomar uma atitude para poder aparecer nas fotos de família e não me preocupar com meus princípios teóricos sobre relacionamentos.

Enquanto o céu escurecia e eu me preparava para ir pr’o Flamengo declamar poesia, fiquei pensando nela, no que ela estava fazendo, no vento batendo em seus cabelos, no seu cheiro, no seu sorriso. O céu desabou. Acabei não saindo – seria minha distração do sábado. Fui tocar violão e duas músicas não saiam da minha cabeça: “Diga lá, coração” e “Espere por mim, morena”. E fiquei cantando como passarinho na gaiola, as pontas dos dedos doloridas por conta de tanto tempo sem manejar o instrumento... mas, dor maior era a do coração.
O toró caindo, raios belíssimos no céu e sentei-me na varanda para prosear com meu pai. Conversamos sobre a possibilidade d’eu me mudar e ter que alugar um apartamento por conta de uma proposta de emprego (que estou torcendo que dê certo), sobre a vida, sobre casamento, sobre o futuro. Depois de uns trinta minutos – uma coisa de verão fora de época, em plena primavera? – a chuva parou e o céu limpou.
Peguei o carro e resolvi dar uma volta, deveria entregar uns dvd’s na locadora, eu tinha que ver o mundo. Ver o sábado. Liguei para um amigo próximo. Ele estava com dor de cabeça. Desisti de incomodá-lo com minha saudade de rapaz apaixonado. Sábado chato. Não há bar para mim. Não há chope gelado. Não há aperitivos. Isso tudo a saudade levou. Isso tudo só tem graça com Ana.
E na volta para casa, peguei o celular e consegui falar enfim com ele, já que na “terra perdida” conseguir um sinal é fazer chover no sertão, e enquanto ouvia sua voz doce dizendo que me ama, me perguntei por dentro: Afinal o que é saudade?

*Espere por mim, morena (Gonzaga Jr.) no disco Começaria tudo outra vez... (P1976)

**Diga lá, coração (Gonzaga Jr.) no disco Gonzaguinha da vida (P1979)

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Por onde será que anda a vontade de saber?

Quarta-feira última, participei do lançamento de um livro acadêmico no qual tenho um artigo. Não citarei o nome do tratado, pois quero evitar possíveis mal-estares pela crítica que aqui farei. Claro que a crítica a que me refiro não é a respeito do livro, mas sobre algo que aconteceu nos bastidores do lançamento e que refletem um certo problema que já vem se estendendo.
O momento sem dúvida foi de festa. Creio, infelizmente, que uma festa um tanto contida e que merecia mais ovação pelo histórico tão trabalhoso que foi o trajeto dos artigos até a prensa. Mas como já ressaltei aqui várias e várias vezes: os tempos são outros. São tão outros que minutos antes, presenciei uma cena que, realmente, nunca pensaria ver (mas no geral, o lançamento foi bonito e a mesa redonda, da qual participei como um dos conferencistas, foi, digamos, peculiar).
Como estava dizendo, minutos antes de assumirmos nossos postos na grande e bonita mesa presente no Salão Nobre, ouvi a talentosa organizadora do tratado, um tanto desanimada, virando-se para mim, em tom de reflexão: “Ando tão cansada. Decepcionada com essa nova geração de orientandos/bolsistas...”. Realmente, me assustei, não pela crítica àqueles que trabalham com ela, mas, pelo cansaço na fala, considerando que a mesma é ainda uma jovem professora. Tentei amenizar, enumerando os ex-orientandos que agora já fazem parte do panteão acadêmico federal ou que têm seus artigos várias vezes publicados por revistas especializadas, mas creio que não foi o suficiente para levantar seu ânimo naquele momento. Pela primeira vez a ouvi citar nomes, um por um, daqueles que não estavam fazendo jus ao apertado dinheiro disponibilizado pela Capes e, acho, que no fundo, do tempo dispensado por ela para orientação. Tempos outros realmente. Citei um nome. Um nome cujo futuro é de estrelas. Jovem rapaz ainda. Caminhando, mas já com passos largos. Ela balançou a cabeça que sim. Mas apenas ele, pelo visto, para ela, configura-se como alguém que ainda vale noites de leitura.
Dali saí com Ana e Thiago, rumamos para Tijuca, fomos comemorar o prenúncio de bons ventos para mim e aproveitar para engolir à seco o empate do Fluminense em pleno Maracanã.
Enquanto estávamos sentados no Vaca Brava, ótimo bar tijucano e razoavelmente barato, comentei sobre meu susto de horas antes. Ana e Thiago riram e me falaram de uma frase que minha falta de atenção na mesa não captou. Em “púlpito” ela não deixou passar seu descontentamento e assinalou enfaticamente que nosso laboratório de pesquisa não é um “clube social”. Curioso, horas antes da mesa redonda, parei para tomar um choppinho com dois amigos e um deles alertou sobre muitos dos que ali estão, apenas o estão por encontros, pela simples oportunidade de ter um lugar. Identidade, talvez. Me fez lembrar aqui de Marc Auge (são tantos os lugares e não lugares não é mesmo?).
Entre um xingamento e outro, um gole de cerveja, uma garfada na deliciosa carne-seca com aipim, Thiago virou-se para nós e, sorrindo, sacramentou: “É o problema do entre safras. Ela ficou mal acostumada com bons orientandos, que levavam o trabalho de pesquisa a sério.”.
Quase não discordo do meu grande amigo, mas, dessa vez, sou obrigado a seguir outro rumo.
Acho que na verdade, a preocupação daquela professora, com uma bagagem acadêmica enorme, é a de perceber que todo um trabalho de anos e anos de dedicação e construção pode estar indo por água abaixo nas mãos de uma “nova geração”, que no fundo é reflexo do que tem sido o nosso Brasil: muita festa e pouco fazer.
É claro que não se pode generalizar. Há muita gente boa por vir. Muita gente compromissada, mas, por enquanto, sua frase anda ecoando na minha cabeça e sua preocupação passa ser a minha!