quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Eu apenas queria que você soubesse...

Aquela tarde estava fria e pedia uma saudável reclusão em casa, no sofá, com algo quente para beber. Porém, eu necessitava urgentemente comprar algumas picuinhas técnicas para fechar a redação da minha dissertação. Refiro-me à tinta da impressora que, como de praxe, acabou quando não deveria acabar.
Querendo evitar transtornos e demora em achar vaga para estacionar o carro, decidi ir à Nova Iguaçu de ônibus. Aqui cabe uma explicação rápida para não ter comprado o cartucho em Mesquita, cidade onde moro: Eu queria adquirir, também, um porquinho de barro, moda no Brasil e que tem feito sumir as moedas das caixas registradoras.
Quando cheguei ao calçadão, parece que trouxe comigo a chuvinha fina que já branqueava os morros mesquitenses. Nada que me afligisse, afinal, não estava de guarda-chuva, mas usava uma bela boina quadriculada que Gustavo me deu – ou trocou por uma falsificação de chapéu panamá que comprei na Lapa um dia.
Acontece que nem todos têm uma boina quadriculada e a dança das “sombrinhas” me jogou da calçada para as apertadas ruas, disputando espaço entre carros e camelôs. Comecei a me arrepender de ter saído de casa.
Como de costume, visitei as Lojas Americanas para ver os lançamentos musicais e os DVD’s em promoção. E lá estava numa baia de livros, um tanto esquecido, só e empoeirado: “Gonzaguinha e Gonzagão: Uma História Brasileira”.
Apesar de ser um grande fã do filho e conhecer o que todos da minha idade conhecem do pai, não sabia que uma biografia sobre eles, juntos, havia sido escrita. Curiosidade. Bom preço. Acabei comprando.
Triturei as 381 páginas bem escritas pela jornalista Regina Echeverria em, exatamente, três dias! Nada demais, você me diria e eu concordaria. Acontece que nesse meio tempo, li, claro, outras muitas coisas obrigatórias.
Esse livro, na verdade, tornou-se um vicio nesses dias. Se minha cabeça doesse na tentativa de fechar um parágrafo da dissertação, lá ia eu folhear a dupla biografia que, no fundo, tornou-se uma só pelas mãos hábeis da escritora.
Sobre Gonzaguinha eu já sabia muito, de ouvir falar, de ouvir cantar, de navegar o ótimo site sobre sua vida e carreira, ou então por conversas com meu grande amigo Celso Vicente Jr. que me fez ouvir esse cantor e compositor com um olhar mais atento.
Gonzagão é folclórico. Faz parte não só da cultura nordestina – belíssima, por sinal – como, também da cultura brasileira. Dele eu conhecia e conheço clássicos juninos e julinos da época de menino, quando dançava quadrilha na rua e na escola. Sobre sua vida, pouco eu realmente conhecia.
A questão é: o livro de Regina ao mesmo tempo em que é doce, é também um soco no estômago. O bom soco no estômago. Pois, ao contrário de muitas biografias que costumamos ler, a autora não constrói/ reconstrói os personagens para sacramentarem-se definitivamente como ídolos. Não há tipos ideais.
A pesquisa de Regina Echeverria para o livro é digna de nota, sem contar que ela teve uma sorte tremenda de Gonzaguinha ter deixado muita coisa registrada em fitas e, claro, sua bela família ter guardado e cedido tudo para a elaboração dessa pérola.
Gonzaguinha, talvez, mais que Gonzagão, está no livro cru, como sempre foi. E muitos anos antes de surgirem Los Hermanos e afins, com uma consciência enorme de naturalidade ou “anti-marketing”.
Regina não fabricou ídolos, não tratou o leitor como uma caixa vazia esperando por informações bonitinhas sobre a vida do pai e do filho, ao contrário, seu enredo traça, realmente, uma “história brasileira” de conquistas e afrontas, mágoas, alegrias, ou seja, vida.
Duas vidas que poderiam se confundir com as nossas. Com as dos muitos retirantes que vêm do Nordeste para o Rio de Janeiro e fazem sucesso ou pelo menos vivem melhor que na terra natal. Como a história de muitos jovens nascidos e criados nos morros desse mesmo Rio de Janeiro e que acabam depois de muito custo conseguindo, de alguma foram, brilhar.
O livro é uma viagem pela história da música brasileira, uma viagem pelos anos de chumbo da Ditadura. Um retrato interessante da sociedade ou sociedades desde os anos 30 até os anos 90.
As divergências entre pai e filho. A dúvida. Os desafetos. O sofrimento. O reencontro. Uma biografia que mais parece um roteiro de filme. De um bom filme.
Enquanto esperava na longa fila do caixa das Lojas Americanas, pensava eu ao olhar a contra capa do livro: “Estou fazendo besteira em comprar isso. Vou acabar não lendo por falta de tempo ou pior, lendo e não gostando. Onde já se viu uma biografia de dois biografados?”
Eu estava enganado. As histórias não se confundem. Acho que nem se complementam. Mas há um elo tão bem feito pela autora – e pela vida –, que vai e volta nas duas histórias, que em vários capítulos, confesso ter chorado.
A morte encontrou pai e filho. Talvez, o segundo tenha a encontrado cedo demais, tendo muito ainda a fazer. E isso, durante muito tempo, o tempo que conheço e que me lembro de aprender a apreciar as canções de Gonzaguinha, me deixava triste. Contudo, depois que li o último parágrafo do capítulo 22, me dei conta de que tinha que ser assim e lembrei, de ainda bem garoto, em 1991, ouvir minha mãe dizer da sala vendo telejornal: “Ih, Gonzaguinha morreu...”.
E, agora, é apenas mais um grande artista esquecido, que vez ou outra toca nas rádios. Luiz Gonzaga, o pai, creio, eu, ainda anima as poucas festas juninas que ainda acontecem pelo Brasil. Agora, a poesia rasgada e crítica das canções de seu filho. Essas, só quem gosta muito de música e tem um bom faro de arqueólogo de baias para encontrar seus discos, porcamente, relançados em Cd. E isso é o que “eu apenas queria que você soubesse...”

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Ninguém merece ser feliz ao acaso

Enquanto esperam apressadas para mergulharem no sumidouro profundo que são as quatro pistas da Presidente Vargas. Enquanto se acotovelam e não se olham, as pessoas que estão ao seu lado não sabem que você está ali. Você não existe e logo sumirá. São cheiros de fragrâncias misturadas ao suor dos corpos no fim do dia – mas ninguém sabe que você está ali.
Mal sabem que por trás desse olhar pacato, comum, jaz uma vontade imensa de gritar, parar o trânsito sem ser por sinal vermelho, congestionamento, assalto à mão armada ou atropelamento.
Mal sabem que você quer abrir os botões da camisa e pôr para fora a todos pulmões um grito de liberdade, um grito vazio de liberdade, como um mendigo que se hospeda nas marquises dos prédios da Presidente Vargas. Um grito. Apenas um grito. Elas mal sabem que é um grito que você quer dar ali parado, pacato.
Ninguém merece ser feliz ao acaso.

A cada pista que você atravessa, em cada pessoa que você se esbarra, é o esbaforido suspiro dos pés apertados pelos tênis que hoje você resolveu usar. Cada contato humano é tão sub-humano que a voz do teu grito não seria ouvida por ninguém, nem mesmo por você. Pois a sinfonia descadenciada que você ouve das buzinas, dos burburinhos das meninas e do comentário dos rapazes não quer dizer que hoje seja sexta-feira. Querem dizer que a vida segue. É triste, mas ela segue sem você.

E você, quando vê o boneco do último semáforo piscando, piscando, piscando, avisando intermitentemente que é hora de parar, você corre. Você corre e não pára mais.
Ninguém merece ser feliz ao acaso.
Pega a Primeiro de Março como um louco, ignora os obstáculos da calçada. Você quer ser vento muito mais do que visto e ouvido. Seu grito agora é seu corpo e seus pés calejados te dão a direção do nada que você quer alcançar. De repente você pára.
Esbaforido, coloca as mãos nas coxas, levemente ergue os olhos e vê tantos prédios, tão bonitos, tão cheios de gente, tão cheios de vida. E não se cansa de olhar. Roda de braços abertos no meio do Largo da Carioca, não quer ser mais vento, quer ser pássaro. Quer olhar de perto as janelas dos prédios. As janelas acesas dos prédios. Mas você ainda está no primeiro andar.
Desengonçado, como um louco varrido, sobe correndo o prédio mais alto que encontra, à sua cola um guarda gritando, os contínuos olhando assustados, o velho ascensorista com as mãos na cabeça, pessoas sem entenderem nada, executivos, madames, atendentes e boys – ninguém merece ser feliz ao acaso.
E você corre, já não é mais vento, quer ser pássaro e mais nada. Já não há mais grito, nem sede, nem poços d’água. No alto do prédio você apenas abre os braços, estufa os pulmões e resolve que nesse dia você é um pássaro que canta com notas agudas: Ninguém merece ser feliz ao acaso.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Excessivo


Se um dia tu me abandonares
Chorarei.
Chorarei dos olhos ficarem vermelhos.
- Vermelho sangue, eu diria.
O mesmo sangue quente
Que corre em minhas veias
Que se abririam se um dia tu me abandonasses.
Passarei noites em claro
Se um dia tu me abandonares.
Noites tempestuosas
Com reflexos de lembranças
Dos tempos que fomos felizes.
E quando eu adormecesse
O dia acordaria
E aqueles que quisessem ver minha face
Temeriam a falta de coragem
Para encarar meus olhos crus.
Se abrissem a porta do meu quarto
Um odor fétido de sangue e morte
Sairia e tomaria tudo de assalto,
Como um ladrão na calada da noite.
Mas isso, só se um dia tu me abandonares
Porque agora, meu bem,
O tempo é calmo.
Mas o tempo vira
Se um dia tu me abandonares.
Pois no dia do abandono
Os olhos choram,
O sangue jorra
E meu mundo acaba.
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14 de setembro de 2008 – 04:58 AM
Bruno Alvaro

sábado, 13 de setembro de 2008

Sem o calo da vitória

Confesso que há dias estou pretendendo escrever este texto. Mas esperei, pouco a pouco esperei, o tempo maturar. Pois as palavras são assim para mim, elas demoram a se encaixar no texto – quem me dera fosse assim na vida –, elas já estão ali na minha cabeça, num martelar constante, querendo sair. Porém, acabo ocupando-me com outras imagens e as deixo frouxas num canto da mente e acho que isso as emputesse de tal maneira que quando quero resgatá-las com um fechar de olhos, tenho que forçá-los mais do que de costume para que elas reapareçam. E nem sempre tal sensação é agradável.
Como balbuciei, o tempo fez, mais uma vez, seu trabalho e eis que elas agora podem fluir mais tranqüilamente no papel virtual, elas tranqüilas e eu forçando os olhos – coisa das mimadas palavras!
Uma semana atrás participei de um evento muito interessante que acontece todo primeiro sábado de cada mês: Um Castelo de Palavras.
Ele ocorre no Centro Cultural Municipal Oduvaldo Viana Filho, local mais conhecido como “Castelinho do Flamengo”, realmente e infelizmente, não busquei informações sobre quanto tempo esse sarau poético acontece, ou se ouvi sobre não atentei muito. Só sei que serei um dos muitos freqüentadores assíduos. Isso por dois motivos: primeiro, por tratar-se de um encontro leve e alegre de artistas, em sua grande maioria, poetas, onde ouvimos música, vemos apresentações cênicas e, claro, degustamos poesia. O segundo motivo, jaz no fato de que nele jovens poetas abrem suas gavetas e jogam ao léu seus versos. Esse foi o meu caso. Por isso, forçarei mais um pouco meus olhos e...
Um dia ouvi Chico Buarque explicando os motivos que o faziam ficar tão a vontade em palcos estrangeiros, citando João Cabral de Melo Neto, ele falou sobre a ausência do “calo da vitória...”. Acho que é a melhor analogia para eu destrinchar os motivos que me fizeram sair tão feliz do Castelinho do Flamengo naquele sábado à noite.
Escrevo poemas há, aproximadamente, uns doze anos, acho que um pouco mais, porém, costumo datar meu inicio como poeta a partir de “ARGONNE – 1918 (Carta-poema fictícia)”, datada de 1996. Já a “projeção” como poeta era restrita às namoradinhas platônicas ou às namoradas dos amigos que sempre me encomendavam um poeminha aqui outro acolá, claro, a fama de menino das palavras ficava com o contratante, sendo assim, essa segunda sentença se restringe aos garanhões de treze e quatorze anos que, quando eu tinha a sorte de não ficar sobre ameaças de violências físicas, sempre me davam algum agrado, como ser o primeiro a ser escolhido para o time na hora do futebol da escola.
Os tempos passaram, as coisas mudaram, a timidez sumiu um pouco e descobri que escrever era vício e trazia, além de elogios e críticas, problemas. Um dia me soltei de vez e pegou a alcunha de poeta aqui, poetinha ali, acho que já estava na faculdade, bebia e de quando em quando também fumava. Poeta.
Mas recitar poemas para amigos bêbados, ou para meninas apaixonadas, talvez, até receber elogios em sites para escritores iniciantes é uma coisa. Se expor meio chapado, deprimido ou apaixonado, também. Agora, pôr a cara à tapa, para pessoas nunca dantes vistas, entre elas poetas já até conhecidos no “submundo alternativo da poesia” é, sem dúvida alguma, não contar com o “calo da vitória...”.
E não é que foi bom? Não é que me deixou satisfeito?
Como eu disse, saí do Castelinho do Flamengo leve, falante, pensando em várias coisas, me programando para voltar... e olha que quando meu amigo de carreira Gustavo me convidou para aparecer com ele por lá, eu até pestanejei, mas acho que, na verdade, no fundo, no fundo, cerrei os olhos bem apertadamente para ver se aquelas palavras que eu havia deixado de lado, esquecidinhas num canto da mente, me perdoavam e voltavam para mim.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

A arte da crítica

Bem recentemente, tenho observado algumas coisas interessantes no meu cotidiano. Tornou-se comum, para mim, toda quarta-feira caminhar no Centro do Rio de Janeiro em busca de nada. Absolutamente nada. Na verdade, não sem um certo objetivo, nem que seja o “olhar a moda”.
Acho que no fundo, quero evitar os embaraços da viagem de ida para o Centro, como a demora do ônibus e o congestionamento na Via Dutra, por exemplo. Mas a questão é: caminho para evitar as mazelas do trabalho.
Atualmente, no Laboratório de Pesquisa que venho participando, não sem um certo orgulho e vontade de aprender mais, e claro, ver a moda, nossa orientadora tem invocado a arte da crítica, que ao meu ver, é extremamente necessária no, vulgo, meio acadêmico. No entanto, fico sempre com a impressão que meu trabalho ali tem dado início para o fundamento do “cara chato”, “arrogante”, enfim, “o picuinha”, coisas do tipo. Tempos outros os de agora. Lembro-me que, lá pelos idos de 2005, quando cheguei a esse mesmo Laboratório de Pesquisa, para mim, receber as críticas era o majestoso sinônimo de “estão prestando atenção em mim...”, claro, que não descarto a possibilidade da fogueira das vaidades, não afirmo que muitos dos meus críticos na época se valeram de minha normal imaturidade como projeto do projeto de futuro talvez pesquisador para inflarem seus egos. Nada que me abalasse a ponto de tecer a impressão da qual acho que algumas das pessoas do presente Laboratório têm tecido sobre mim.

A coisa toda gira, talvez, em torno da formação que eles tem e que eu não tive, não no diploma, mas, quem sabe no cotidiano dos egos dos professores. Talvez, por isso, não sei, quando ali cheguei, receber uma crítica fosse algo absolutamente natural e, como disse antes, tempos outros aqueles. Cheguei algumas vezes a ouvir, literalmente, sobre algum escrito meu, ou vários: “Esse texto é sem fundamento...”; “Você escreve muito mal”; “De onde você tirou isso?”; “Que texto horrível...”. Enfim, como afirmei, nada que me abale muito, mas abala.
Um certo ranço é o que eu sinto sempre que inicio minha retórica. O mais preocupante, talvez, seja o fato de, ali, depois da orientadora, eu ter a maior titulação, na verdade, quase titulação. Às vezes penso que isso é um grande problema. Já pensei em me ausentar do ofício de participar dos debates, afinal, não tenho mais que cumprir essa obrigação, encontro-me no estágio final da redação da dissertação e quase nenhum outro mestrando ou mestre aparece por ali para dar as caras. O problema é que eu gosto! Gosto de trocar idéias. Gosto de ver minha orientadora criticando, ardentemente criticando. Gosto de mostrar a quem inicia nas veredas tortuosas de querer ser um dia na vida um, talvez, possível, pesquisador, que essa vida tem seus trancos (e troncos) e barrancos. Aliás, tempos outros. Até mais amenos. Acho que a cada ano que passa, as vaidades tornam-se mais amenas. As brigas teóricas, os egos inflados, tudo tem sido corroído em meio às lamentações de falta de verba, bolsa, e tudo mais.
Mas o ranço continua. Ranço é uma palavra forte. Quem sabe nem tanto. Nem tanto ela deveria aparecer aqui. Mas aparece.

Realmente ainda não são textos brilhantes, os que são escritos e debatidos. Nem os meus eram e nem ainda o são, acho que nunca o serão. Mas a crítica nos faz tentar. E nessa vida exposta que temos, as críticas sempre virão... Como disse não há brilhantismo, talvez em um ou dois já haja, e não digo só sobre os textos, mas sobre as idéias. Todas são boas, uma ou duas, como disse antes, até mesmo fortes e prontas a serem polidas para o brilho futuro. As outras são possibilidades, assim como minhas idéias eram e o são, mas depende de cada um deles (de nós) transformá-las em monografias, projetos, dissertações ou teses, por enquanto, melhor pensar nem num artigo, mas num texto de comunicação.
O teor que eu tinha, o teor do medo, do não ter estudado ali, do “vou ser tragado”, me fez acelerar meu amadurecimento, engolir críticas azedas como se fosse mel.
Um dia escrevo um texto real sobre a arte da crítica, mas o certo é que seu fundamento é o de ter sido, antes de tudo, criticado ferrenhamente, para saber onde ficam as dores e os amores. E dor e amor nesse meio é mais constante do que parece ser. Para ter certeza do momento certo de assentar no chão aqueles que querem voar com asas de Ícaro e afirmar que, sim, o “cavalo da História” é cavalgável para poucos e que vê-lo passar por nós não nos ajudar na impossível tarefa de nos possibilitar perceber “toda a sua espessura histórica”.
Fico com o estranho sentimento de olhar sempre para os lados e para trás ao descer as escadarias do Instituto, afinal, acidentes acontecem.

domingo, 7 de setembro de 2008

Meio fio

Nada mais a fazer
Nenhuma rima nas mangas
A métrica já quebrada.
Ao lado do meio fio
Um córrego se formava
E as águas sujas que ali corriam
No esgoto desembocavam
Poemas jamais lidos
De um poeta abandonado.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Uma dissertação ou uma vida?

Taí, mais uma madrugada que divago em meus pensamentos ao som de Edu Lobo, acho que o único disco que tenho ouvido mais assiduamente.
Eu poderia aqui narrar toda minha jornada no dia que se passou, mas hoje quero apenas confessar ao léu minha nudez, a nudez de minha alma. Uma história não muito diferente das muitas por aí.
Sou pessoa de poucos amigos. Mesmo que isso pareça desconfortante ou dramático, é a pura verdade e dos poucos amigos que carrego como pedrinhas numa pequena lata de ervilhas, a grande maioria tem quase o dobro da minha idade, são pessoas cujas carreiras já estão consolidadas, já sonharam seus sonhos, alguns plantaram árvores, tiveram filhos e escreveram livros.
Eis que chego ao ponto máximo de minha solidão (novamente). Virão madrugadas que com afinco tecerei como ourives cada capítulo de algo que não vai além das prateleiras sombrias de uma biblioteca universitária ou do desconhecido Banco de Teses e Dissertações da Capes. E são nessas noites que me questiono, não meu prazer pelo ofício que tenho em mãos, mas os motivos que me levam a fazer o que faço.
Hoje tirei o dia para o claustro. Tomei todas as precauções dignas de um bom orientando, enviei e-mail explicando minha ausência no debate das duas resenhas de livros que confesso ter lido por “orelhas”. Resenhas feitas por graduandos que não tenho muito contato. Não que haja desinteresse neles, pois acredito ferrenhamente que são melhores do que fui nesse mesmo período de vida acadêmica, mas algo pesou mais e não foram só os dois ônibus que tenho que pegar para chegar ao Instituto ou mesmo a volta cansativa para casa. O que pesou foi o sonho. E mais uma vez esse sonho me toma a alma e o tempo que tenho contra mim.

Quando entrei na universidade lembro-me que pensar em fazer um mestrado era um sonho absurdo e longínquo, alguém me fez acreditar no meu próprio sonhar. E foram noites longas. Discussões tolas com meus pais que não entendiam bem meu “trabalho árduo” frente ao computador. Recordo-me das horas de almoço dispensadas para, entre tambores de resina e sacos de talco químico, rascunhar um pré-projeto.
Confesso agora não ter que levantar pesos enfadonhos, disputar cada minuto precioso do meu tempo para pôr no papel uma idéia, um parágrafo sequer. Talvez o que doa, incomode, seja dentro do meu próprio lar isso não ser identificado como labuta.
Por que continuar estudando? A faculdade já acabou há tanto tempo... Para quê doutorado?
Lembro-me bem que no período de seleção para o concurso de mestrado, saí por uns tempos de casa, eram outros tempos, tempos loucos que não me fazem falta. Só entrava em meu quarto para passar pr’o antigo computador o que eu rascunhava pela rua, pelos bares, pelas bibliotecas. Foram tempos outros. Acho que setenta por cento do que li e escrevi no meu pré-projeto foram lapidados ora no meu trabalho como auxiliar de serviços gerais, ora na rua ou nas praças públicas como o Campo de Santana, por exemplo. Imagem eterna para mim: as cotias do Campo de Santana.
Não me resta muito daquela época. Mas respiro fundo e mergulho na madrugada, um som, alguma fumaça, raramente uma cerveja ou um copo de vinho. Agora mais uma vez quero vencer meu tempo, pois parece que para mim o medo do fracasso não existe, talvez, somente o medo do não tentar. Filosofia forte, eu sei. Uma coisa meio Rocky Balboa. Socos e mais socos e o não saber a hora de jogar a toalha. Mas segundo Marcus, isso faz parte da minha trajetória, talvez, o não ter nada a perder. Mas eis que, por conselho dele, é hora de perder um pouco a ingenuidade e saber a hora de se defender, de recuar, de escolher os caminhos mais seguros para um dia consolidar uma carreira. Talvez quando ele me fez sonhar meu sonho visse isso e me preparasse para isso.
Depositei cada ficha que tinha na possível aprovação na seleção do mestrado. Deixei um mundo cômodo para trás. Refiz-me e desfiz vários planos que não eram meus. Dei um salto sem medir a profundidade do precipício que estava bem abaixo. Tenho certeza de que tinha mais inimigos que amigos torcendo por mim. E quando vi meu nome na lista dos aprovados liguei para meus pais. Liguei para Marcus. Abracei minha (agora oficialmente) orientadora. Liguei para mim mesmo e me disse: consegui. E agora, com a distância que mais uma vez o tempo me traz daquele período, me lanço num novo caminho.


Não que minha vida esteja nos cinco capítulos que estou preste a concluir ou nas inúmeras discussões que surgirão com meus pais. Mas tenho um objetivo. Não é de hoje, tampouco de ontem esse objetivo. Ele faz parte de um caminho que tracei há muito e ninguém depende de mim ou do meu sonho. Sou apenas eu e um circulo pequeno de torcedores, dessa vez não pelo meu fracasso, mas pelo meu sucesso.
Não que eu ache que meus pais não torçam por mim, não acreditem em minha capacidade, talvez, apenas não entendam a profundidade que isso tenha para minha vida e não só profissional, mas como ser humano. Pois aprendi a ver na História minha fuga para os devaneios da vida.
Não tenho nenhuma semelhança com o personagem Monty Kessler, do ótimo filme With Honors. Eu sei que minha dissertação não é minha vida, mas nesse momento seu fim é um possível passaporte para uma nova...

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Entre o aeroporto, Pedro II e o Passeio Público

Pois desci na Avenida Passos como de costume. Meus olhos te viram passando pela Praça Tiradentes, de saia florida, leve, camiseta amarela, morena como os dias de sol no Rio. Não era você. Era eu e minha vontade de te ver pelo menos por uns minutos.
Pois peguei a Rua do Teatro e persegui o andar que me parecia o teu, mas não era. Pensei adentrar correndo e suado a Igreja de São Francisco de Paula, quem sabe ali ajoelhada pedindo aos santos vida feliz e agradável fosse você, mas não era. Era eu e minha vontade de te observar rezando e pedindo por nós pelo menos alguns instantes do meu dia corrido.
Pois se sentado no Real Gabinete entre tantos livros antigos não consigo prestar atenção nos ecos do passado, só pode ser por pensar e te ver em cada canto que eu vá do Centro da cidade.
Pois aquela moça sentada na escadaria do CCBB é você com os cachos caídos nos ombros folheando um José Murilo. Mas não é. Pois o cheiro que sinto, enquanto com pressa almoço num fast food qualquer, não é o da tua pele nem do teu perfume... é alguém que não é você que passa como o dia passa. Pois meu dia passa sem você.


Pois enquanto escolho na porta do Paço Imperial os cartões Mica que acho mais bonitos, olho de rabo de olho e vejo você apressada indo pegar a barca, mas qual o motivo para tanta pressa meu amor? não é teu cheiro, não é teu andar, não é você.
A noite cai aos poucos no mar e me afasto do cheiro da maresia, melhor caminhar ou me sentar para tomar café. Ao meu lado você se senta calma e só, fico feliz por te ter ali tão perto, mas logo percebo que não é você. Apenas um reflexo do meu pensar em te ter pelo menos um minuto do fim da minha jornada.
Pois enquanto corro da Carioca até a Cinelândia, esbarro-me em dúzias de você. São bolsas, saias, tênis, sandálias baixas, cachos soltos, peles morenas... Alguns sorrisos... Mas nenhum é o teu. Nada que me cerca no ponto do ônibus, nas luzes dos prédios, nos jovens que saem para dançar, nada traz você concretamente para mim. Pois tudo que me lembra você não supre tua ausência física em mim. Pois tudo que me faça lembrar ou pensar que é igual a você não é o mínimo de tua simples e singular alma. Pois você é única e meus devaneios são reflexos de apenas mais um dia sem tua presença física tão constante na alma do meu coração.